WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – A aproximação entre aliados dos ex-presidentes Jair Bolsonaro (PL) e Donald Trump nos Congressos brasileiro e americano gera preocupação, mas não surpreende, afirmou o deputado Jamie Raskin, um dos integrantes da comissão que investigou a invasão do Capitólio e líder da acusação no segundo processo de impeachment contra o empresário.
O democrata participou nesta quinta-feira (2) de uma reunião com uma comitiva brasileira liderada pela senadora Eliziane Gama (PSD-MA), que foi relatora da CPI do 8 de janeiro. O objetivo do encontro foi trocar experiências sobre a resposta dada por cada país aos ataques à democracia que sofreram e unir esforços para evitar que episódios do tipo se repitam.
A visita, que vinha sendo organizada desde o final do ano passado, acontece na semana em que republicanos conseguiram ressuscitar uma audiência no Congresso articulada com bolsonaristas sobre uma suposta perseguição e censura no Brasil atual.
Inicialmente marcado para março na Comissão de Direitos Humanos, o evento foi barrado por democratas. Agora, vai ocorrer na terça (7) em um subcomitê da Comissão de Relações Exteriores presidido pelo republicano Chris Smith, com quem Eduardo Bolsonaro (PL-SP) teve reuniões em Washington junto com aliados do Congresso.
Pela manhã, a comitiva liderada por Eliziane se encontrou com assessores da deputada Susan Wild, a principal democrata no subcomitê que fará a audiência. Segundo o deputado Rogério Correia (PT-MG), o objetivo foi subsidiar os americanos de informações para rebater a narrativa bolsonarista.
“O que vai acontecer aqui semana que vem é apenas uma encenação, uma reunião fake de alguns republicanos com bolsonaristas. É claro que esta reunião contará com os democratas que vão dizer a verdade, que Bolsonaro tentou dar um golpe no Brasil e é por isso que ele está inelegível e provavelmente será preso”, afirmou.
Correia e o senador Humberto Costa (PT-PE), que também integra a comitiva, devem fazer mais uma reunião com democratas antes da audiência no dia 7.
Até agora, foram anunciadas três testemunhas na audiência: o ativista e jornalista americano Michael Shellenberger, que divulgou os arquivos do Twitter relacionados ao Brasil, o CEO da rede conservadora Rumble, Chris Pavlovski, e o ativista brasileiro Paulo Figueiredo Filho, alinhado ao bolsonarismo.
Um quarto nome, indicado pela minoria democrata do subcomitê, ainda deve ser anunciado. Uma rede de organizações brasileiras em Washington discute uma sugestão.
Questionado pela Folha de S.Paulo sobre a audiência, Raskin respondeu que “no manual autoritário em todo o mundo, uma das estratégias-chave dos aspirantes a autocratas e ditadores é se fazerem de vítimas”.
Apesar das semelhanças na história recente dos dois países, o democrata apontou que o Brasil tipifica o crime de golpe de Estado. “Não temos [nos EUA] um crime específico para isso. Os crimes pelos quais o ex-presidente Donald Trump foi acusado são variados”, afirma ele.
No processo criminal que trata da invasão ao Congresso em 6 de janeiro de 2021, o republicano foi acusado de conspirar contra os EUA e contra direitos, mas não há uma denúncia específica sobre golpe de Estado.
“Uma coisa que poderíamos considerar é tipificar um crime muito específico para acusar as pessoas no que se refere à tentativa de derrubar o Estado democrático de Direito”, afirmou Raskin.
O democrata recebeu uma cópia do relatório da CPI do 8 de Janeiro. O deputado Rafael Brito (MDB-AL) afirmou que o americano chegou a usar a palavra “inveja” ao se referir ao processo brasileiro.
Nos EUA, Trump sobreviveu a dois processos de impeachment. Além disso, embora seja alvo de quatro processos criminais, apenas um deve ser concluído antes da eleição de novembro –o que é apontado como o mais leve de todos, em que ele é acusado de fraudar registros empresariais para encobrir pagamentos à atriz pornô Stormy Daniels durante a campanha de 2016.
E mesmo que Trump seja condenado, a legislação americana não impede que ele concorra à Presidência. Na média das pesquisas de intenção de voto, ele lidera a corrida contra Joe Biden por uma margem apertada.
A articulação para a visita da comitiva aos EUA vinha sendo feita desde o final do ano passado pelo Instituto Vladimir Herzog, que organiza a viagem, motivada pela ideia de trocar experiências tendo em vista os desafios semelhantes à democracia em ambos os países.
FERNANDA PERRIN / Folhapress