Aliança entre Coreia do Norte e Rússia é perigosa e ilegal, diz presidente sul-coreano à Folha de S.Paulo

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk Yeol, afirma em entrevista à Folha de S.Paulo que o envio de tropas norte-coreanas para combater na Ucrânia representa uma ameaça à segurança da Europa e de seu próprio país.

Ele diz ainda que o pacto de segurança assinado entre Moscou e Pyongyang é ilegal. O acordo, acrescenta, representa um desafio direto à paz mundial.

Yoon Suk Yeol vê potencial para crescimento das relações comerciais entre Brasil e Coreia do Sul e afirma que o fenômeno da chamada K-Cultura (cultura sul-coreana) revitaliza a economia de seu país.

A entrevista foi concedida por escrito, por ocasião da visita do líder da Coreia do Sul ao Rio de Janeiro para a cúpula do G20.

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PERGUNTA – Quais as repercussões do envio de tropas da Coreia do Norte para combater na Ucrânia?

YOON SUK YEOL – O envio de tropas norte-coreanas para a Rússia representará uma ameaça direta e substancial não só para a segurança da Europa como também para a nossa própria segurança. Acima de tudo, existe a possibilidade de que as tecnologias que a Coreia do Norte deseja ou até tecnologias essenciais relacionadas a armas nucleares e ao míssil balístico intercontinental sejam transferidas da Rússia em troca do envio de tropas.

Portanto, o governo da República da Coreia está analisando de forma abrangente os possíveis cenários e preparando medidas de respostas graduais, de acordo com a tendência de ameaças à nossa segurança.

P – O que a assinatura de um pacto de segurança entre Moscou e Pyongyang significa para a Coreia do Sul e, de forma mais abrangente, para a segurança da Ásia?

YSY – A recente e estreita relação entre a Coreia do Norte e a Rússia não é apenas ilegal como também um desafio direto à ordem da paz mundial. Especialmente, o tratado estabelecido entre os dois países inclui a promessa de cooperação militar, violando frontalmente as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

Em troca desse estreitamento com a Rússia, a Coreia do Norte planeja aprimorar a sua tecnologia militar. Tendo a Rússia como suas “costas quentes”, certamente aumentará a intensidade de suas provocações, ameaçando não apenas a segurança na península da Coreia, mas também em toda a Ásia.

A República da Coreia irá trabalhar em estreita colaboração com aliados para garantir que medidas fortes e efetivas de sanção sejam aplicadas contra a cooperação militar entre a Rússia e a Coreia do Norte.

P – A tentativa de aproximação no passado de Donald Trump com Kim Jong-un, ditador da Coreia do Norte, preocupa seu governo em um novo mandato do republicano?

YSY – Não pretendo prever a direção das políticas do próximo governo dos EUA nem fazer comentários com base em circunstâncias hipotéticas.

O que posso dizer claramente é que a aliança entre a República da Coreia e os Estados Unidos é uma aliança muito especial que continuou a evoluir ao longo dos últimos 70 anos, aumentando a amplitude e a profundidade da cooperação sempre que enfrentamos várias mudanças na situação internacional.

A Coreia do Sul e os Estados Unidos continuarão a coordenar estreitamente as suas políticas em relação à Coreia do Norte, ao mesmo tempo que perseguem o objetivo da desnuclearização de Pyongyang e do estabelecimento firme da paz na península coreana.

P – Diferentes países tentam se equilibrar diante da crescente competição entre EUA e China. Como a Coreia do Sul se posiciona nessa realidade?

YSY – Estados Unidos e China são, para a Coreia, parceiros muito importantes de cooperação. Então, considero não ser um caso de se optar por um ou outro país. A aliança entre a Coreia e os EUA é uma aliança estratégica global abrangente, que compartilha valores, interesses e visão global, podendo afirmar que é o eixo central de nossa diplomacia.

A China, por sua vez, é um vizinho de longa data e o nosso maior parceiro comercial, com quem temos desenvolvido uma parceria de cooperação estratégica.

Nesse contexto, mantemos a aliança com os Estados Unidos como o eixo central da nossa diplomacia e estamos empenhados em continuar o diálogo e o desenvolvimento da nossa relação com a China de forma a contribuir para a paz e a prosperidade na região do Indo-Pacífico e na comunidade internacional.

Esperamos que a relação entre os EUA e a China evolua direcionada para contribuir para a paz e a prosperidade da comunidade internacional. Nesse processo, seguiremos em estreita cooperação com os dois países.

P – As negociações entre Coreia do Sul e Mercosul estão paralisadas. O que precisa ser feito para relançar as tratativas?

YSY – O Mercosul possui uma estrutura econômica com aspectos de complementaridade em relação à Coreia e, nesse sentido, o acordo comercial Coreia-Mercosul, se concluído, contribuirá para o aumento das exportações e investimentos bilaterais e a diversificação da cadeia de suprimentos, entre outros aspectos.

No entanto, após a sétima rodada de negociação, em 2021, as discussões entre as partes foram suspensas. É necessário que a negociação oficial seja retomada o mais brevemente possível.

P – Qual o espaço para aumentar a relação comercial entre Brasil e Coreia do Sul?

YSY – O Brasil é o maior parceiro comercial da Coreia do Sul na América Latina. O volume de comércio entre os dois países ultrapassou pela primeira vez US$ 10 bilhões (R$ 58 bi) em 2021, e continua a superar esse valor a cada ano.

Considerando que os dois países estão entre as dez maiores economias do mundo, posso dizer que há ainda um potencial muito grande de cooperação econômica. O Brasil, como um dos maiores detentores de recursos naturais mundiais, e a Coreia, como um país forte em indústria manufatureira.

Os dois países possuem estruturas complementares de comércio, tornando-se, entre si, os melhores parceiros para responder juntos à reorganização da cadeia de suprimento global.

P – A Coreia do Sul é frequentemente lembrada no Brasil como um caso de transformação econômica de sucesso por meio da educação. Como esse processo ocorreu?

YSY – A República da Coreia tem promovido de forma consistente investimentos em todo o país na formação de talentos e alcançou o desenvolvimento econômico com base nos profissionais qualificados cultivados através desses investimentos e das inovações tecnológicas.

Com o início da introdução do ensino fundamental obrigatório na década de 1950, as oportunidades educacionais tornaram-se universais. Mesmo durante a Guerra da Coreia, construíamos escolas provisórias montadas em tendas nas áreas de evacuação e fazíamos o nosso melhor para garantir que as crianças pudessem receber educação.

Mais tarde, nas décadas de 1960 e 1970, a expansão das políticas de ensino profissionalizante e de apoio à especialização universitária possibilitou a capacitação de mão de obra técnica industrial, que se tornou a base para um rápido crescimento econômico.

Além disso, desde a década de 1980, a expansão do ensino superior, a garantia da diversidade na educação, o aperfeiçoamento intelectual e o aumento do investimento na pesquisa e desenvolvimento resultaram na formação de um grande número de profissionais altamente qualificados, revitalizando a nossa economia.

Em resposta a novos desafios da atualidade, como as rápidas mudanças na estrutura demográfica devido à baixa taxa de natalidade e ao envelhecimento da população, bem como a 4ª Revolução Industrial e a revolução da inteligência artificial, o governo está estabelecendo um sistema de “cuidados públicos”, em que o Estado se responsabiliza em educar e cuidar de crianças pequenas. E ainda, com o uso da inovação, ampliamos a educação personalizada sob demanda.

P – Como os recentes fenômenos culturais coreanos têm moldado a imagem internacional do país?

YSY – Guerra e divisão eram a primeira imagem que se tinha sobre a Coreia no passado. Mas agora pode-se dizer que a primeira imagem são grupos K-pop como o BTS, ou novelas como o Sweet Home, como também o jogador de futebol Son Heung-min, já muito reconhecido pelos fãs do futebol brasileiros.

Acredito que o fenômeno cultural conhecido como Hallyu, ou “onda coreana”, está difundindo os valores da liberdade e de um futuro ousado com os quais a Coreia sonha.

A indústria criativa está revitalizando a economia coreana ao ponto de que quando as exportações do setor K-Cultura aumentam em US$ 100 milhões, há um reflexo nas exportações de bens de consumo relacionados, como moda e alimentos, que também aumentam em US$ 180 milhões. A indústria cultural está fomentando a economia da Coreia com um dinamismo que está liderando tendências e uma globalização que visa à universalidade.

RAIO-X | YOON SUK-YEOL, 63

Eleito em março de 2022 com uma plataforma conservadora, é formado em direito e ficou conhecido no país por sua atuação como promotor de Justiça. Ele liderou a equipe de investigação dos crimes que levaram ao afastamento do cargo da ex-presidente Park Geun-hye.

RICARDO DELLA COLETTA / Folhapress

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