FORTALEZA, CE (FOLHAPRESS) – O Ceará tornou-se um celeiro para gênios das exatas de todo o país. No estado que historicamente lidera proporcionalmente as aprovações em um dos vestibulares mais difíceis do país –o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica)–, escolas particulares garimpam os melhores alunos, oferecem de bolsas a alojamento, incentivam a competição em olimpíadas e formam turmas especializadas para o exame.
No último vestibular, o Ceará foi responsável por um terço das aprovações no ITA, ocupando 56 vagas. Ficou atrás apenas de São Paulo, estado mais populoso do país, que aprovou 67 candidatos para o instituto, cuja sede fica em São José dos Campos (SP), no interior paulista.
Cada vez mais estudantes e famílias se mudam para o Ceará em busca da expertise. Embora a fórmula hoje seja replicada em outras escolas, são dois grandes colégios particulares de Fortaleza, com mensalidade média de R$ 3.000, os principais responsáveis pelas aprovações: Farias Brito e Ari de Sá.
Em ambos, o número de alunos de fora já supera o de cearenses e há uma verdadeira “comunidade de crânios”.
“Lá todo mundo tem o mesmo objetivo. O nível é alto e é possível tirar dúvidas com os próprios colegas”, diz Marcello Ryaj, o primeiro lugar do vestibular passado.
Paraibano, ele deixou João Pessoa e se mudou para Fortaleza graças a uma bolsa ofertada pelo Farias Brito depois de um teste e dos resultados em olimpíadas de ciências.
A rotina de estudos nas turmas voltadas ao ITA pode se estender das 7h30 às 22h durante a semana e inclui aulas aos sábados e simulados aos domingos, o que pode trazer desafios psicológicos.
Por isso, os colégios dizem implementar projetos de combate ao estresse e acompanhamento psicológico.
“[No primeiro vestibular] acabei passando mal e não consegui passar”, diz Marcello. No ano seguinte, ele reduziu o ritmo de estudos e conseguiu a aprovação.
No Ceará, a preparação pode começar bem antes do terceiro ano. A partir do segundo ciclo do ensino fundamental, os alunos são convidados a participar de olimpíadas, com aulas preparatórias no contraturno.
No ensino médio, a carga horária passa a ser mais direcionada para matemática, física e química, com foco na seleção do IME (Instituto Militar de Engenharia) e do ITA.
“São meninos que se tornam autodidatas pela capacidade de aprender em função do desenvolvimento do raciocínio lógico”, explica o diretor de ensino do Farias Brito, Marcelo Pena.
O ecossistema para aprovação inclui materiais didáticos próprios, conteúdos que não costumam estar no currículo normal e professores especializados no exame. Leonardo Bruno, supervisor de turmas IME/ITA do Ari de Sá, explica que velocidade também é crucial na prova. “O aluno tem que ser capaz de resolver questões difíceis em dez minutos”, diz.
Diretor de ensino e inovações educacionais, Ademar Celedônio diz que as escolas ensinam matérias como cálculo diferencial, vistas apenas na graduação, porque perceberam que elas ajudam na celeridade dos alunos.
O método de ensino especializado e o recrutamento de alunos de alto rendimento tornaram Fortaleza um hub de aprovação.
“A gente se inspira na Biblioteca de Alexandria”, afirma o diretor superintendente do Farias Brito, Tales de Sá Cavalcante. “Era um centro de excelência e de pesquisa que recrutava os gênios da humanidade. Eles davam um jeito de fornecer hospedagem e livros para que aquele time de excelência ficasse reforçado.”
Foi em busca desta “comunidade de crânios” que Endy Lume Okamura deixou parte da família em Campo Grande (MS) e se mudou com a mãe para Fortaleza depois de conseguir uma bolsa no Farias Brito.
“A comunidade que eles têm de olimpíadas é muito legal. Você tem discussões de problemas quando está lanchando com o pessoal que não era possível aqui em Campo Grande”, conta.
A escola tem um projeto específico voltado para universidades estrangeiras, e Endy viu a possibilidade de realizar o sonho de ingressar no MIT (Massachusetts Institute of Technology), uma das universidades mais difíceis dos Estados Unidos. Neste ano, ela foi aprovada e ganhou uma bolsa.
Apaixonado por matemática desde criança, o mineiro João Victor Canedo também cruzou o país em busca da expertise cearense para o ITA, com uma bolsa no Ari de Sá. “Os primeiros momentos no colégio foram um pouco mais difíceis de me adaptar porque a rotina é intensa”, relembra ele, aprovado na terceira tentativa.
Werisleyk Logam Barbosa, que hoje cursa o ITA, fez parte do grupo de bolsistas cearenses no Ari de Sá pelo desempenho olímpico. “Conheci um novo mundo. Sentia mais gosto em estudar”, diz o estudante, que já participou de ao menos 20 competições.
O Ceará se prepara para receber a primeira sede do instituto fora de São Paulo, e o Governo do Ceará criou um curso preparatório voltado para alunos de escolas públicas, com apoio pedagógico dos dois colégios.
A expectativa é que, agora, mais estudantes busquem o estado para se preparar. “É como se fosse um time de futebol onde um craque é sempre bem-vindo”, diz o diretor do Farias Brito.
BEATRIZ JUCÁ / Folhapress