CAMPINAS, SP, E CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Michele de Lima Teixeira, mãe do adolescente Carlos Teixeira Gomes Ferreira Nazara, de 13 anos, contou, em entrevista ao Fantástico (TV Globo), que o filho não queria mudar de escola para proteger os amigos de agressões.
Carlinhos, como era conhecido o menino, morreu após sete dias internado. Aluno do 6º ano, ele foi vítima de agressões no banheiro da Escola Estadual Júlio Pardo Couto, em Praia Grande, no litoral de São Paulo. A Polícia investiga se a morte é resultado das agressões.
Aos pais, o adolescente contou que dois garotos da mesma turma o arrastaram para o banheiro e pularam violentamente sobre suas costas, no dia 9 de abril. Após as agressões, Carlinhos passou a reclamar constantemente de dores ao respirar. É a 1ª vez que a mãe fala desde a morte do garoto, no último dia 16.
De acordo com ela, o filho já havia sofrido agressões em março, o que motivou os pais a o trocarem de escola. O adolescente, no entanto, disse à mãe que queria continuar no colégio, para proteger os amigos.
“Ele falou assim: ‘mãe, eu não quero sair porque eu sou o maior da minha turma’. Porquê os amigos dele são todos menores, pequenininhos, e ele era grandão pela idade dele. Ele falou que queria defender eles, que queria ficar forte”, disse a mãe.
Michele deu mais detalhes sobre as agressões sofridas pelo filho no colégio. “Ele falou para mim que não podia entrar no banheiro, porque quem entrasse apanhava”.
A família afirma que o IML (Instituto Médico Legal) atestou morte por broncopneumonia bilateral e celulite infecciosa no cotovelo. Um exame necroscópico deve trazer mais informações sobre as causas das infecções.
A família conta que o adolescente era vítima de bullying na escola. Também relata omissão do colégio e negligência de unidades de saúde municipais que atenderam o menino entre 9 e 15 de abril.
À Folha, a Seduc-SP (Secretaria da Educação do Estado de São Paulo), disse não reconhecer as agressões. A informação consta de nota enviada na segunda-feira (22). Já ao Fantástico, a pasta informou que está apurando o acontecido. Alunos relataram falta de câmeras nos sanitários. Um dos adolescentes contou ao Fantástico que há um grupo, composto por seis ou sete pessoas, responsável pelas agressões.
“Eles têm um grupinho do terror. Eu não quero sair de casa, estou com medo”, disse o adolescente.
A mãe do aluno, cuja identidade foi preservada, relatou que não é a 1ª vez que o filho sofre agressões no ambiente escolar. Disse, no entanto, que a escola sempre foi avisada, mas nunca resolveu a situação.
A mãe também relata que levou o filho mais de cinco vezes em unidades de saúde administradas pelo município, entre os dias 9 e 15 de abril, e que em todas as vezes ele foi mandado para casa sem passar por exames.
COMO O ADOLESCENTE MORREU?
Carlos morreu na tarde do dia 16 de abril na Santa Casa de Santos, a 15 km de Praia Grande. O exame necroscópico que pode trazer mais informações sobre a causa da morte deve ficar pronto em 90 dias.
Em entrevista à Folha, a advogada da família do adolescente, Amanda Mesquita, disse que Carlos começou a se queixar de dores em 9 de abril, quando teria contado aos pais que foi agredido por outros alunos.
“Pularam nas costas dele. Nesse dia, a escola não chamou a família. Ele chegou em casa chorando, machucado, com as costas tortas. E aí a família o levou para o pronto-socorro central de Praia Grande”, afirmou a advogada. “Fizeram um raio-X na região do ombro e falaram que ele tinha escoliose. Medicaram e liberaram, mas ele continuou sentindo muitas dores”, continuou Mesquita.
Segundo ela, a família então procurou a Usafa (Unidade de Saúde da Família), onde também não teria recebido tratamento adequado. “Uma médica gritava com ele, perguntando o que ele tinha. Ninguém examinou o pulmão dele”, disse a advogada.
No dia 15 de abril, ainda segundo Mesquita, o adolescente “estava muito mal, com febre, sem conseguir respirar direito, sem conseguir andar direito”. A família, diz a advogada, então decidiu levá-lo a uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento) em Santos. Na sequência ele já foi encaminhado de ambulância para a Santa Casa de Santos, onde ficou internado em UTI (Unidade de Terapia Intensiva).
O adolescente morreu na tarde de 16 de abril após três paradas cardiorrespiratórias, de acordo com a advogada. O corpo foi liberado pelo IML na noite de 18 de abril para o enterro.
O QUE DIZ A PREFEITURA DE PRAIA GRANDE?
Procurada pela Folha, a Prefeitura de Praia Grande, responsável pelas unidades de saúde onde Carlos recebeu os primeiros atendimentos, respondeu, em nota, que a Secretaria de Saúde Pública abriu um processo administrativo “para apurar todos os procedimentos adotados no atendimento”.
“Caso seja constatada alguma irregularidade, serão tomadas as providências cabíveis”, afirmou.
A advogada da família disse que não descarta entrar com medida judicial para eventual responsabilização, mas vai aguardar o resultado do exame necroscópico.
O QUE DIZEM A FAMÍLIA E A ESCOLA SOBRE AS AGRESSÕES?
De acordo com Amanda Mesquita, a agressão que Carlos relatou em 9 de abril não teria sido a primeira. “Em março, a família foi chamada porque ele tinha sido agredido na escola. Ele estava machucado, com nariz sangrando. Os pais queriam marcar uma reunião com os pais dos agressores, mas a escola se negou a prestar qualquer ajuda”, disse.
Segundo a advogada, em função da omissão da escola, o pai do estudante registrou um boletim de ocorrência sobre os fatos envolvendo o filho. “Ele continuou voltando para a escola, ele gostava de ir para a escola. Mas, em 9 de abril, apanhou de novo”, diz Mesquita.
“Em 19 de março, ao ser informada sobre uma briga envolvendo o aluno, a direção da escola agiu imediatamente, convocando os responsáveis para uma reunião. O Conselho Tutelar foi também comunicado. Durante o período subsequente, os alunos envolvidos na briga frequentaram as aulas sem novos conflitos. O estudante Carlos esteve ausente em alguns dias (22 e 25/03 e 4/04) sem justificativa apresentada”, diz a nota da Seduc-SP.
A secretaria diz ainda que “repudia qualquer forma de violência, dentro ou fora do ambiente escolar”, e que implementa no colégio “um plano de acolhimento e conscientização contra a violência na escola, com diversas atividades e acompanhamento psicológico”.
COMO É FEITA A INVESTIGAÇÃO?
A apuração sobre as circunstâncias da morte do adolescente é conduzida pelo 1° DP de Praia Grande, que deve ouvir funcionários da escola, alunos e familiares.
Procurada, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) de São Paulo disse, em nota, que “foram solicitados exames ao IML e, assim que concluídos, os laudos serão analisados pela autoridade policial para auxiliar no esclarecimento dos fatos”. Outros detalhes não foram informados.
“Cabe destacar que as forças de segurança atuam em conjunto com os órgãos educacionais para garantir a segurança nas escolas”, acrescenta a SSP.
LUIS EDUARDO DE SOUSA E CATARINA SCORTECCI / Folhapress