SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi uma fake news que levou a cidade de Springfield, em Ohio, a atrair o foco do debate sobre migração nos Estados Unidos nas semanas que antecederam as eleições presidenciais.
No debate com Kamala Harris, o então candidato pelo Partido Republicano hoje presidente eleito, Donald Trump, afirmou que membros da comunidade local de migrantes estavam roubando cachorros e gatos para se alimentar. “Eles estão comendo os animais de estimação dos moradores”, disse, sendo logo em seguida desmentido por um dos mediadores.
O boato já tinha sido compartilhado antes por J.D. Vance, vice da chapa de Trump que é senador por Ohio. E continuou sendo repetido pelo empresário mesmo depois que o prefeito de Springfield o negou, alimentando uma espiral de teorias da conspiração criticada até mesmo por conservadores.
Moradores de Springfield, maior cidade do condado de Clark, votaram majoritariamente em Trump. O republicano ganhou no condado com 64% dos votos, contra 35% de Kamala.
O resultado não é exatamente uma surpresa em um estado como Ohio, que escolhe republicanos para a Casa Branca há anos e no qual Trump venceu este ano com uma margem histórica.
O condado de Clark, em específico, já tinha votado no empresário nas duas outras vezes em que ele concorreu à Presidência: em 2020, quando recebeu 61% dos votos da população local e Joe Biden, 37%, e em 2016, quando reuniu 57% dos votos, e Hillary Clinton, 38%.
Nas três ocasiões, o comparecimento às urnas foi de cerca de 70% (o voto não é obrigatório nos EUA).
A vitória de Trump aumenta a insegurança entre os membros da populosa comunidade de migrantes de Springfield. Autoridades locais estimam que entre 15 mil e 20 mil haitianos tenham se mudado para a cidade, que antes tinha cerca de 60 mil moradores, nos últimos anos.
Muitos deles foram para lá depois da pandemia, atraídos pela oferta de empregos bem-remunerados e pelo baixo custo de vida no município. Vários têm autorização de trabalho e de residência por possuírem o chamado Status de Proteção Temporária, concedido a migrantes de países em crise. No caso do Haiti, imerso em um cenário de caos político, econômico, sanitário e de segurança desde pelo menos 2021, o status vale até fevereiro de 2026.
Os haitianos ajudaram a impulsionar a economia de Springfield, fazendo os salários aumentarem, por exemplo.
Por outro lado, sua presença sobrecarregou escolas, serviços de saúde e o mercado imobiliário locais, levando parte da população a se ressentir do influxo.
Esse sentimento parecia ter chegado a um ápice em agosto de 2023, quando um haitiano que dirigia na contramão atropelou um ônibus escolar com sua minivan. O acidente matou um menino de 11 anos.
Mas as fake news repetidas por Trump conseguiram aumentar ainda mais a tensão, com escolas e prédios públicos sendo alvo de ameaças de bombas e ataques a tiros e membros da comunidade haitiana local denunciando ter recebido telefonemas intimidadores e tido seus carros danificados.
Além disso, Trump, que tem na retórica anti-imigração uma de suas principais agendas, prometeu começar “a maior deportação em massa da história” dos EUA por Springfield. “Vamos colocar essa gente para fora. Vamos levá-las de volta à Venezuela [sic]”.
CLARA BALBI / Folhapress