Alzheimer pode ter início 20 anos antes dos primeiros sintomas, mostra estudo

Pesquisadores do Instituto Karolinska, da Suécia, descobriram novas evidências da doença de Alzheimer que podem surgir até 20 anos antes dos primeiros sintomas de perda de memória. A descoberta abre novos caminhos para o diagnóstico precoce e até para tratamentos inovadores.

O trabalho, publicado na revista científica internacional Molecular Psychiatry, revela um alteração do metabolismo das mitocôndrias, organelas responsáveis pela produção de energia usada pelas nossas células.

“A doença de Alzheimer é causada pela perda de sinapses, essencialmente, que se reflete nos sintomas. É muito importante entender o que acontece antes disso, tanto em termos de diagnóstico quanto em medicamentos que possam prevenir a neurodegeneração”, afirma Per Nilsson, professor do Instituto Karolinska e um dos autores da pesquisa.

Feito em camundongos modificados para desenvolver os mesmos sintomas do Alzheimer, o estudo ainda é preliminar e os resultados precisam ser confirmados em humanos, mas os pesquisadores são otimistas. “A maioria dos estudos usa animais que superexpressam os genes relacionados com a doença, o que pode levar a falsos resultados. Nós usamos modelos sem esse viés”, afirma Luana Naia, pós-doutoranda e primeira autora do trabalho.

No artigo publicado, os cientistas revelam que o cérebro dos ratinhos entrou em estado de redução da atividade das mitocôndrias. Outro fenômeno observado foi a diminuição das sinapses, especialmente na região associada à memória, o hipocampo.

Identificar essas alterações patológicas podem servir, no futuro, como uma alternativa para o diagnóstico precoce. Para isso, entretanto, ainda é preciso verificar se os resultados se repetem em humanos, e, depois, encontrar novos marcadores associados a essa mudança metabólica das mitocôndrias, uma vez que não é possível retirar amostras do cérebro dos pacientes como os pesquisadores fizeram com os camundongos.

Segundo Elisa Resende, neurologista e professora da Universidade Federal de Minas Gerais, as novas evidências também abrem portas para a busca de tratamentos inovadores que visem ao fortalecimento das mitocôndrias. Nos últimos anos, novos medicamentos considerados promissores não se mostraram capazes de recuperar a capacidade cognitiva dos pacientes.

O Alzheimer é caracterizado pela presença de proteínas beta-amiloides do cérebro. Aprovados nos Estados Unidos desde 2021, medicamentos como o Aducanumab e o Lecanemab são capazes de combater esses corpos estranhos e, mesmo não revertendo a condição do paciente, desaceleram a progressão da doença.

Por essa característica, inclusive, são considerados tratamentos excelentes para pacientes com o diagnóstico precoce, que ainda não apresentam perdas cognitivas graves. Esse grupo inclui pessoas com mais de 60 anos que sofram quadros de perda de memória que atrapalhem as funções do dia a dia.

O diagnóstico do Alzheimer, entretanto, ainda só pode ser feito quando surgem os primeiros sintomas da doença, ainda que novas análises, como o líquor, possibilitem a avaliação da presença de proteínas características, como a própria beta-amiloide. Mais recentemente também estão surgindo exames de biomarcadores, mas que ainda devem ser associados ao exame clínico.

Nesse sentido, as novas descobertas oferecem uma perspectiva de diagnóstico muito mais cedo. “Quando os sintomas clássicos são visíveis no cérebro, a doença já está em um estágio mais avançado. Agora nós temos essa possibilidade de olhar em camundongos muito jovens e ver essas alterações”, diz Maria Ankarcrona, professora de neurogeriatria no Instituto Karolinska e colaboradora da pesquisa.

Devido à grande importância do diagnóstico precoce, pesquisadores em todo o mundo concentram esforços na busca de novos instrumentos capazes de detectar o quanto antes a doença. Mas ainda persistem obstáculos difíceis de transpor.

Os biomarcadores, especialmente as proteínas tau e beta-amilóide, estão no centro das atenções. Mas a tarefa de identificar essas moléculas no sangue é gargantuesca. Este ano foi publicado na revista Science Translational Medicine um estudo de quase 5 mil proteínas analisadas entre 11 mil adultos. Desse montante, os pesquisadores conseguiram encontrar apenas 32 associadas ao Alzheimer.

Entre esse número reduzido, 12 estavam relacionadas com alterações já encontradas nos exames de líquor, enquanto oito são conhecidas pelas análises de tecido cerebral de pacientes falecidos. As evidências ajudam a dar consistência aos resultados. Os especialistas afirmam que algumas dessas evidências podem ser encontradas até 20 anos antes do início da perda de cognição.

Também não escapa dos cientistas a possibilidade de utilizar algoritmos de inteligência artificial para prever a progressão da doença. Entretanto, devido à concentração de pesquisas apenas nos países europeus e nos Estados Unidos, os modelos ainda são enviesados.

Uma pesquisa publicada ainda este ano no Journal of the American Medical Association acompanhou quase 2.000 pacientes com mais de 53 anos e revelou que o algoritmo foi menos sensível para participantes negros ou de ascendência latina ou asiática. O resultado revela a necessidade de expandir as pesquisas para outras regiões do mundo.

O mesmo se aplica para os testes com biomarcadores, segundo a professora Elisa Resende. “Já estão validados em estudos internacionais, mas ainda não existe um ponto de corte adequado para a população brasileira”, diz. Somado à falta de cura, a especialista destaca a importância da prevenção da doença.

Para retardar o avanço do Alzheimer, o primeiro passo é melhorar o nível educacional e manter as atividades cognitivas depois da aposentadoria. Também passa por dietas equilibradas e pela prática de exercícios físicos, sem deixar de lado o controle de outras questões de saúde consideradas fatores de risco, como a hipertensão, a obesidade, a diabetes, a depressão, a baixa audição e o tabagismo.

ACÁCIO MORAES / Folhapress

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