SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Terminado o expediente, saí à tardinha para um encontro longamente desejado. Um homem no declínio da vida sente-se, num acontecimento destes, como banhado por um raio de sol”, escreveu Getúlio Vargas em seu diário em 29 de abril de 1937.
Àquela altura, o líder gaúcho comandava o país havia quase sete anos. E o “encontro longamente desejado” era com a paranaense Aimée Sotto Maior de Sá, esposa de Luís Simões Filho, nada menos que o chefe de gabinete de Getúlio.
O caso extraconjugal, que se estendeu pelo ano de 1937 e pelos primeiros meses de 1938, foi mantido em segredo por mais de meio século. Só se tornou amplamente conhecido com a publicação dos diários de Getúlio, em 1995.
Quem era Aimée? O que fazia antes de conhecer o presidente? Como foi sua vida depois do caso amoroso?
Essas e outras perguntas são respondidas pelo jornalista Delmo Moreira na biografia “A Bem-Amada”, título que faz alusão ao modo como Getúlio passou a se referir a ela no diário quando o romance ganhou impulso.
Com base nas anotações do diário, foram 38 encontros íntimos do político cinquentão com a moça que tinha acabado de chegar à casa dos 30 anos. É, no mínimo, curioso acompanhar os registros melosos de Getúlio, da “mais bela flor da festa” à “luz balsâmica e compensadora dos meus dias atribulados”.
Não há exagero dele ao falar em “dias atribulados”, pelo contrário. Ao longo do namoro, houve ao menos dois episódios decisivos para a história do Brasil na primeira metade do século 20.
Em novembro de 1937, Getúlio apresentou uma nova Constituição, passando a governar como um ditador. Era o início do Estado Novo. Em maio de 1938, os integralistas, colocados na ilegalidade pelo governo, tentaram dar um golpe, mas foram barrados pelas forças federais.
Como Getúlio e Aimée não eram exatamente discretos nos seus encontros no Rio de Janeiro e em Poços de Caldas, logo Darcy Vargas, a primeira-dama, e Simões Filho tomaram conhecimento do caso, deixando a situação insustentável. Separada, Aimée partiu para Paris, onde morava sua irmã, Vera, e começou uma vida em meio à aristocracia europeia e norte-americana.
É no período pós-guerra que essa alta sociedade tem sua “era do ouro, com fartura e exuberância”, diz Moreira, jornalista com passagens pelo jornal O Estado de S. Paulo e pela TV Globo, entre outras Redações, e autor de “Catorze Camelos para o Ceará”.
Em Palm Beach, na Flórida, Aimée conheceu seu segundo marido, Rodman de Heeren, um dos herdeiros da Wanamaker, uma das maiores lojas de departamento dos EUA. Era agora Aimée de Heeren, que se dividia em quatro casas: duas nos EUA, Nova York e Palm Beach, e outras duas na França, Paris e Biarritz.
Com o tempo, Aimée e Rodman passaram a conviver como amigos, cultivando seus namoros fora do casamento. “Esse não é um arranjo incomum na elite. Eles não queriam dividir o patrimônio”, afirma o biógrafo.
Um desses romances se deu com Assis Chateaubriand, magnata da imprensa brasileira a socialite nunca assumiu publicamente o caso com Chatô, mas o autor ouviu fontes que conviveram com ambos e asseguram que aconteceu.
Segundo Moreira, Aimée foi a maior socialite brasileira do século 20, um termo que implica “centralidade” e “poder convocatório” em seus círculos sociais. Houve outras mulheres de grande projeção nesse sentido, como Isabel de Orleans e Bragança e Elisinha Moreira Salles, mas o biógrafo faz o desempate considerando que nenhuma viveu no “topo do topo do topo”, próxima, por exemplo, da nobreza inglesa.
Ele também leva em conta a longevidade. Aimée morreu com quase cem anos, parte expressiva desse tempo junto às famílias mais abastadas e influentes dos EUA e da Europa. Além de tudo isso, “nenhuma foi tão festeira quanto ela”.
Quando morreu, em 2006, ela foi lembrada pelo New York Times como “a última das grandes damas”.
“Quis pegar alguém que estava no rodapé da história, que pouca gente conhece, e lembrar essa vida de modo que os leitores se perguntassem: Como é que eu não sabia disso?”, diz Moreira. A julgar pelos episódios surpreendentes da trajetória de Aimée retratados no livro, ele conseguiu o que buscava.
A BEM-AMADA – AIMÉE DE HEEREN, A ÚLTIMA DAMA DO BRASIL
– Preço R$ 90
– Autoria Delmo Moreira
– Editora Todavia (224 páginas)
NAIEF HADDAD / Folhapress