Amazônia degradada por fogo vira ‘paliteiro’ que espanta animais e agrava seca

BELTERRA, PA (FOLHAPRESS) – O trecho da BR-163 na altura do km 92 divide dois cenários bem distintos no município de Belterra, no oeste do Pará, na amazônia. De um lado, a Flona (floresta nacional) do Tapajós. De outro, extensos pastos de soja e de milho.

Neste mesmo trecho, mais adentro, a Flona apresenta características de um ambiente degradado. Apesar de exibir uma densa vegetação, a área não possui mais árvores centenárias e frutíferas, o que afasta a fauna. Neste lugar, não há cantos de pássaros, zumbidos de insetos ou marcas da presença de mamíferos –situação incomum para o bioma mais rico em biodiversidade do mundo.

Sem a cobertura das grandes árvores conectadas pelas copas, macacos não podem se locomover e aves ficam sem opção para fazer seus ninhos. A aparência dos troncos, magros e fracos, leva o conjunto dessa vegetação a receber o apelido de “paliteiro”.

A ausência de sombra deixa o local ainda mais seco. O solo demasiadamente exposto aos raios solares, por consequência, impede o desenvolvimento de espécies de plantas sensíveis a tanto calor.

A reportagem percorreu em junho áreas degradadas por diversas temporadas de fogo na região conhecida como Baixo Tapajós, onde há uma forte atuação do agronegócio, além de grilagem de terras, desmatamento ilegal e conflitos territoriais.

Neste ano, o fogo e a seca voltam a ser uma grande preocupação na amazônia. De janeiro até esta quarta (21), a amazônia registrou 44.826 focos de calor, com aumento de 82% em relação ao mesmo período de 2023, segundo o programa BDQueimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Até julho, o acumulado era o mais crítico em duas décadas, e agora é o maior desde 2010 (quando foram 45.712 até a data).

Com chuvas abaixo do esperado até o momento, a estiagem começou mais cedo. O fenômeno La Niña, aguardado para o segundo semestre, tende a trazer precipitações para a região, mas cientistas ainda não conseguem dimensionar que intensidade ele terá desta vez.

Erika Berenguer, cientista sênior na Universidade de Oxford, monitora a amazônia há 15 anos e afirma que a área degradada da Flona do Tapajós mantém esse desequilíbrio ecológico por ter sofrido com grandes queimadas, em três temporadas históricas de fogo. O quadro, ela avalia, afeta diretamente o funcionamento do ecossistema e o processo natural de recuperação.

Na última grande queimada, de setembro a novembro de 2023, Berenguer presenciou as chamas alcançarem copas de embaúbas de 15 metros. Essa espécie, conta a pesquisadora, cresce em áreas degradadas com mais facilidade que outras. Por ser oca por dentro, porém, essa árvore superaquece em incêndios e explode, espalhando ainda mais fogo, inclusive ultrapassando aceiros.

De acordo com a cientista, a Flona do Tapajós passou a ter distúrbios por sofrer com queimadas em anos de forte influência do fenômeno El Niño, como em 1998, 2015 e 2023.

“A floresta não vai ter mais as espécies de plantas que tinha antes do fogo. [Agora] são espécies que crescem em terreno baldio. A gente chama elas de pioneiras, porque crescem em qualquer situação, pode estar muito quente, com muito sol, mas conseguem lidar, germinar e crescer”, explica Berenguer.

Agora com o cenário novamente ocupado por embaúbas e muito mato, Berenguer alerta que área degradada apresenta mais vulnerabilidade com o aumento das condições favoráveis ao fogo, tanto para ignição quanto para propagação.

“O que os nossos estudos mostram, comparando os diferentes usos de solo da amazônia, é que aqui tem significativamente menos carbono e biodiversidade do que uma área que nunca pegou fogo. Mas, ainda assim, está muito melhor que uma área que está sendo usada como pasto ou como plantação”, pondera a pesquisadora.

No km 117 da BR-163, onde há uma base do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), a Flona reflete outro cenário. As copas de grandes árvores proporcionam vastas sombras e um conforto térmico. O ar é úmido. Os sons dos seres vivos se fazem presentes. Neste lugar, o fogo nunca chegou.

Para frear a constante extração ilegal de madeira e incêndios criminosos na Flona, o ICMBio atua junto a Polícia Federal e Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), além de instituições do governo do estado, como Polícia Militar e Corpo de Bombeiros.

Para além das mudanças na paisagem, a destruição pelo fogo, somada ao desmatamento, contribui para o chamado ponto de não retorno da floresta amazônica. Cientistas calculam que o bioma possa entrar em colapso quando um quarto tenha sido devastado.

Em entrevista na última semana, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) demonstrou preocupação com sinais de degradação.

“Os cientistas dizem que se ultrapassarmos os 25% [de desmatamento da amazônia], ela pode entrar no processo de savanização. Já há alguns indícios de que a floresta está perdendo, a cada ano, cada vez mais umidade e que isso pode levar a situações de descontrole em relação aos incêndios”, disse.

“Processos de degradação da floresta também estão sendo identificados pelo Inpe, e há que ter uma política não só para combater o desmatamento, mas também a degradação. Há que ter uma política para fazer a restauração”, continuou a ministra.

Em 2023, a amazônia registrou uma queda de 50% no desmatamento. Contudo, as queimadas têm batido recordes, atingindo, inclusive, grandes porções de floresta primária, longe do chamado arco do desmatamento, onde há ações prioritárias contra o fogo em 72 municípios no oeste do Maranhão e sul do Pará em direção a oeste, passando por Mato Grosso, Rondônia e Acre.

Segundo o Ipam, na Flona do Tapajós, já chove 34% menos na estação seca devido à temperatura alterada –no local, ela está 1,5°C mais alta do que em registros antes da revolução industrial.

Paulo Brando, pesquisador associado do Ipam e professor na Universidade Yale (EUA), lembra que tanto o desmatamento quanto a queimada agravam o aquecimento global, com a liberação de toneladas de carbono na atmosfera a cada morte de uma árvore de grande porte, principalmente as centenárias.

“A gente não incorporou no nosso dia a dia, em políticas públicas, na mídia, a área de floresta degradada como uma métrica do manejo, da conservação. E parte disso vem da dificuldade de identificar a degradação e qualificar se é alta ou baixa. O governo brasileiro não tem as ferramentas ainda totalmente incorporadas”, alerta Brando.

JORGE ABREU / Folhapress

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