RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Amazônia foi protagonista em uma parcela de filmes exibidos no Festival do Rio. Os nacionais ainda devem ser exibidos na Mostra de Cinema de São Paulo, como é o caso de “A Queda do Céu”.
O documentário, uma adaptação do livro de Davi Kopenawa e Bruce Albert, laureou Gabriela Carneiro da Cunha e Eryk Rocha com o prêmio de melhor direção de documentário no Festival. Exibido em Cannes, o longa narra a cosmologia yanomami e propõe novas formas de vida frente ao sistema capitalista ocidental.
“Eu nunca vi outros filmes indígenas passarem por festivais e nos cinemas” afirmou Dário Kopenawa, vice-presidente da Hutukara Associação Yanomami, durante a exibição do longa no festival. “Cultura, tradições, conhecimentos. Quem somos. É isso que queremos mostrar. Esse filme faz parte do processo de proteção de nossa cultura. É para que vocês, não indígenas, assistam.”
Já “Retrato de um Certo Oriente”, de Marcelo Gomes, uma adaptação do livro de Milton Hatoum, competiu pelo prêmio de melhor longa-metragem de ficção. Na trama, a floresta aparece como pano de fundo para dois irmãos que migram do Líbano rumo ao Brasil, para fugir da guerra.
Em meio a viagem pelo rio Amazonas a caminho de Manaus, eles conhecem Anastácia, vivida por Rosa Peixoto, indígena que também está a bordo do barco. Peça-chave na trama, ela apresenta aos estrangeiros um ritual de cura.
Peixoto, que nasceu na comunidade Iauaratê, diz estar aliviada por trabalhar em papéis que não exotificam os personagens indígenas algo comum em filmes das gerações de seus pais e avós.
“Agora, estamos retratando a importância da floresta amazônica não só para os povos indígenas”, diz. As produções, segundo ela, propõem que é possível viver em harmonia com a natureza. O propósito vale também para a ficção. “A delicadeza com que a realidade é retratada toca as pessoas.”
Outras produções estiveram na esteira da proteção às florestas e do alerta sobre as mudanças climáticas. É o caso do longa alemão “Transamazônica”, de Pia Marais, que narra a tensão crescente entre uma família de missionários e madeireiros ilegais que invadem uma terra indígena.
Já “Os Sonhos de Pepe”, de Pablo Trobo, costura filmagens de Pepe Mujica, que denunciava as mudanças climáticas desde a década de 2000, durante sua campanha presidencial.
Na época, Trobo era cinegrafista de Mujica e o acompanhou até ano passado. Segundo ele, o ex-presidente uruguaio já previa a catástrofe climática. “Ele é agricultor. Ele percebeu cedo que o tempo estava mudando e as estações não eram as mesmas. Quando concorreu à presidência, ele já se preocupava”.
“Nós, como humanidade, precisamos entender que [a questão ambiental] não é política, mas de necessidade. A crise climática não tem que ser uma bandeira de esquerda ou de direita, mas da ciência.”
Frente a uma Hollywood que tem evitado citar diretamente a crise climática em seus blockbusters, Trobo diz que o cinema não pode só entreter. “Hollywood precisa fazer mais. Não basta o Leonardo DiCaprio falar sobre isso. As celebridades precisam parar de usar aviões particulares para viajar em um final de semana, por exemplo.”
Além de filmes que usaram a Amazônia como cenário, o festival contou também com uma boa quantidade de longas. Só na disputa pelo prêmio de melhor filme de ficção, o principal do evento, competiram dois longas dirigidos por diretores do estado.
Foram “Lispectorante”, de Renata Pinheiro, “Serra das Almas”, de Lírio Ferreira, um thriller em que duas jornalistas são sequestradas por contrabandistas de diamantes. O longa foi filmado no agreste da região, em Serra Negra. “Pernambuco sempre teve uma tradição no cinema muito forte, que vem se renovando a cada ciclo”, diz Ferreira.
O saldo positivo da última safra, segundo ele, ocorreu apesar dos tempos de bilheterias fracas para os filmes nacionais e do baixo incentivo para produções audiovisuais. “O cinema está passando por uma crise absurda e os editais em Pernambuco diminuíram muito. A política para o audiovisual não pode ficar refém de troca de governo”, defende.
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A jornalista viajou a convite do Festival
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress