SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma a cada cinco mortes violentas intencionais no Brasil no ano passado aconteceram nos nove estados da Amazônia Legal. O índice é o mais alto do país, mesmo que a região responda por apenas 13,6% da população brasileira, de acordo com o Censo 2022.
Os dados são do 17º anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (20). Em 2022, Acre, Amazonas, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins tiveram, somados, 9.302 MVIs (mortes violentas intencionais). O número equivale a 19,57% do registrado em todo o território nacional.
Esse é um índice que vem crescendo: em 2012, as mortes violentas na região amazônica representavam 15,6% do total nacional. Em uma década, a alta nesta taxa foi de 25,2%, enquanto a proporção populacional se manteve estável.
No mesmo período, outros lugares tiveram o movimento inverso. O Sudeste, por exemplo, respondia por 30% das MVIs do Brasil em 2012 e viu esta taxa cair para 25,1% em dez anos. O Centro-Oeste, mesmo abrigando um dos estados da Amazônia Legal, o Mato Grosso, teve redução de 9,3% para 7,7%.
Para Aiala Colares Couto, pesquisador sênior do Fórum e professor da Universidade do Estado do Pará, os números não surpreendem por fazerem parte da construção histórica de lutas sociais e conflitos por terra na Amazônia, multiplicados pela chegada do narcotráfico.
“A disputa pelo controle de terras envolve a disputa pelo controle dos recursos naturais. E a disputa pelo controle de recursos naturais envolve a disputa entre diversos sujeitos: indígenas, quilombolas, ribeirinhos, garimpeiros, empresas mineradoras, grileiros”, afirma.
“O cenário atual junta todos estes sujeitos e os coloca em uma dinâmica recente das ações capitalistas na Amazônia, que relaciona as ideias de um processo civilizatório com base na exploração dos recursos naturais em larga escala com as organizações criminosas.”
A expansão do crime organizado e do narcotráfico na região é um fenômeno relativamente recente, que tem impactado diretamente os índices de violência. Além das facções locais, nos últimos anos o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) também passaram a atuar na Amazônia, usando as fronteiras para escoar drogas, especialmente cocaína e skunk, para dentro e fora do país.
“A rota do Solimões passa a ser essencial na dinâmica das organizações criminosas de âmbito nacional”, diz Betina Warmling Barros, também pesquisadora do Fórum. O rio Solimões nasce no Peru, entra no Brasil pelo Amazonas, e, através de seus afluentes, se espalha por outros estados até desaguar no Atlântico.
Ela explica que, por essa rota, a droga sai de Peru e Colômbia e vai parar nos portos para a distribuição para a Europa e os demais continentes.
O narcotráfico se mistura à histórica prevalência da criminalidade ambiental na região. Um relatório publicado em junho pela ONU (Organização das Nações Unidas) mostrou que a presença do tráfico de drogas na Amazônia vem ampliando atividades como grilagem e garimpo, extração de madeira e pesca ilegais.
“O ouro acaba sendo um subsídio de muito interesse para organizações como o PCC e o CV porque é uma possibilidade de fácil lavagem de dinheiro”, exemplifica Barros, acrescentando que muitas vezes são formadas alianças entre essas organizações e os criminosos ambientais, com compartilhamento até mesmo de armamento pesado. “A dinâmica fica muito mais aguda em termos de violência.”
Exemplo disso é Itaituba, no Pará, que ganhou o apelido de “cidade pepita”. Entre 1990 e 2021, a cidade concentrou 41% das autorizações para lavra garimpeira concedidas pela Agência Nacional de Mineração, segundo estudo do Instituto Socioambiental e do WWF Brasil.
O município é o 15o mais violento do país entre aqueles com mais de 100 mil habitantes e o 4o no ranking da Amazônia Legal.
“[Em Itaituba,] há regiões de garimpo onde não tem a presença estatal, então discussões e organizações da comunidade garimpeira são resolvidas pela própria comunidade. Isso acaba aumentando os conflitos e as mortes. Ali também vai haver o tráfico de drogas vinculado a facções que entendem esses lugares como espaços de riqueza”, afirma Barros.
Evidências da violência aguda na região aparecem em outros dados do anuário. Dos três estados mais violentos do Brasil, dois estão na Amazônia. Amapá, o líder, registrou 50,6 mortes violentas intencionais a cada 100 mil habitantes em 2022. No Amazonas, terceiro colocado, a taxa foi de 38,8. Em números absolutos, foram 371 e 1.531 óbitos, respectivamente.
Couto diz que o Amapá herdou muitas características do militarismo desde a época da ditadura militar brasileira. “Isso é um dos fatores que pode, inclusive, explicar porque o Amapá tem a polícia que mais mata no Brasil”, aponta. Segundo os dados do fórum, o estado teve 122 mortes decorrentes de ações policiais em 2022, com uma taxa de 16,6 óbitos a cada 100 mil habitantes.
Ele explica, ainda, que o Amapá enfrenta uma série de problemas estruturais como falta de acesso a saneamento básico, energia e serviços básicos de saúde, o que estaria levando fluxos de pessoas em direção às regiões de garimpo no estado.
“Nesse sentido, o Amapá enfrenta problemas de exploração sexual, tráfico de mulheres, contrabando e narcotráfico. A polícia enfrenta de forma extremamente violenta as ações do crime, uma espécie de guerra particular. Pelo visto [nos resultados do anuário], sem políticas adequadas por parte dos governos, os índices tendem a continuarem elevados”.
Já no Amazonas, o pesquisador afirma que a violência estaria relacionada principalmente à disputa pelo território entre facções criminosas locais, regionais e nacionais. “Isso vem fazendo com que ocorram vários conflitos entre as facções, que estão em guerra pelo controle das principais rotas do narcotráfico na região”.
JÉSSICA MAES / Folhapress