Americanas cresceu na pandemia e fraude quase chegou ao fim, mas voltou pior, diz ex-diretor

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A crise enfrentada pelos negócios em decorrência da pandemia foi uma janela para que o esquema fraudulento da direção da Americanas fosse encerrado, segundo depoimento do ex-diretor financeiro Marcelo Nunes, que fechou acordo de colaboração com a Polícia Federal.

Por alguns meses, com o crescimento das vendas online, os resultados reais se tornaram próximos dos fictícios, que eram tornados públicos. A necessidade de fazer frente aos números da concorrência, porém, teria feito com que a fabricação de balanços positivos não só voltasse, mas ficasse pior, disse o ex-diretor aos investigadores.

A partir de março e abril de 2020, quando o mundo todo passa a viver sob as incertezas da pandemia de covid-19, os balanços reais e os falsificados ficaram próximos. Nunes disse à PF que “tentou nessa época fazer os ajustes visando parar as fraudes”. A informação foi divulgada pelo Valor e confirmada pela Folha.

O resultado da operação digital do grupo -a B2W, que reunia Americanas.com, Submarino e Shoptime- foi bom e tornou possível também ajustar as margens dos produtos.

Com os bons resultados reais, a quantidade de “lançamentos irreais foi baixa”, disse Nunes em depoimento à Polícia Federal.

No fim de outubro daquele ano, a B2W divulgou crescimento de 56,2% no GMV, sigla em inglês para vendas brutas, e geração de caixa de R$ 160,7 milhões.

O release de resultados assinado por Márcio Cruz, CEO da B2W na época (que viraria vice-presidente quando os braços digitais e físicos se fundiram), destaca uma série de bons números, como crescimento de 92% em unidades de produtos vendidos naquele terceiro trimestre.

A receita líquida havia crescido 58,5% e o lucro bruto ajustado, 51,7%, ambos na comparação com o mesmo período em 2019. O resultado líquido, porém, estava negativo em R$ 36,8 milhões, menos do que os R$ 102,5 milhões do terceiro trimestre de 2019.

Nessa época, segundo o depoimento de Marcelo Nunes à Polícia Federal, a desaceleração da fraude fez com que a B2W passasse a crescer menos do que os concorrentes. Em setembro, Márcio Cruz, teria passado a cobrar a necessidade crescimento.

Com isso, “tiveram que retornar o volume das fraudes contábeis” e que elas “escalaram”, afirmou Nunes.

No último trimestre de 2020, a companhia divulgou geração de caixa de R$ 718 milhões e lucro líquido de R$ 16 milhões.

Em junho de 2021, B2W e Lojas Americanas se fundiram. Nesta terça-feira (2), a Americanas anunciou o encerramento dos sites Submarino e Shoptime, que serão incorporados ao site com o nome do grupo, o americanas.com.

Desde que vieram à tona as fraudes contábeis de R$ 25,3 bilhões nos balanços da companhia, a empresa entrou em recuperação judicial com dívidas de mais de R$ 42 bilhões.

Marcelo Nunes e Flávia Carneiro são dois ex-diretores da varejista que fecharam acordo com a Polícia Federal e entregaram documentos, emails e reproduções de conversas aos investigadores, além de terem prestado depoimentos nos quais falaram como o esquema de maquiagem dos balanços funcionavam.

Nunes disse à PF que mensalmente eram produzidas várias versões dos demonstrativos de resultados da empresa. A original, verdadeira, recebia o nome de “versão 0” ou “v0”. A partir dela, outras versões com as fraudes contábeis eram produzidas.

Esses demonstrativos eram usados para as divulgações públicas, ao mercado. O ex-CEO da B2W e ex-vice-presidente de consumo da Americanas disse aos investigadores que “a cultura empresarial existente nas Americanas era a de não haver mudanças bruscas no orçamento, de não se falar em coisas ruins ao mercado”.

Segundo o relatório da Política Federal que embasou os pedidos de busca e apreensão e de prisão da operação Disclosure, no dia 27, o ex-executivo da companhia afirmou que a cultura empresarial na Americanas era “muito forte [e] que impunha a todos os funcionários essas obrigações”.

FERNANDA BRIGATTI / Folhapress

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