Ampliação da Raposo requer pedágio urbano e alcança área de casas e parque em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Parte da proposta da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) para desatar o nó no acesso rodoviário entre a zona oeste da cidade de São Paulo e o interior, o alargamento do trecho urbano da rodovia Raposo Tavares extrapolaria pistas sobre áreas residenciais, empresas, vegetação e zonas de proteção ambiental em bairros como Butantã, Jardim Bonfiglioli e arredores.

A Folha de S.Paulo percorreu na última segunda-feira (22) os cerca de 12 km de pista entre a capital e Cotia, cidade da região metropolitana, e conversou com moradores que integram movimentos organizados que fazem oposição ao plano do governo estadual. Além do impacto provocado por remoções de centenas de árvores e desapropriações em massa, eles relataram temer aumento no custo de vida com a cobrança de pedágio dentro da capital e a piora no trânsito.

Cerca de 80 entidades -associações de bairro, coletivos de ambientalistas e empresas locais, entre outros- assinam um manifesto contra a intervenção.

Chamado de Nova Raposo, o projeto está vinculado a uma nova rodada de concessão ao setor privado de trechos das rodovias Raposo Tavares (SP 270), Castelo Branco (SP 280), Livio Tagliassachi (SP-053/280) e Nelson Tranchesi (SP 29), além de uma ligação entre os municípios Cotia e Embu das Artes. O cronograma prevê a assinatura do contrato em 2025.

Em mais de 100 quilômetros de vias, a proposta é implantar 28 quilômetros de duplicações de pistas e 48 quilômetros de marginais. Seis praças de pedágio funcionariam no sistema de cobrança automática, ou seja, a passagem livre de veículos por pórticos que identificam os veículos sem necessidade de interrupção do fluxo. A instalação dos equipamentos está prevista para 2026, mas a cobrança só ocorreria após a conclusão das obras, em 2033.

O acréscimo da quarta faixa de rodagem e pistas marginais no trecho da Raposo dentro da capital seria especialmente impactante devido à característica urbana da via, com entorno mais parecido com o de uma grande avenida do que o de uma rodovia.

Os primeiros três quilômetros são ladeados por bairros predominantemente ou exclusivamente residenciais, além de duas zonas de proteção ambiental. Essas características foram garantidas pelo Plano Diretor e pela Lei de Zoneamento paulistana, revisados no ano passado pela gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e pela Câmara Municipal.

Uma das áreas com vegetação protegida é o parque Previdência, com mais de 90 mil metros quadrados. Na parte mais próxima à rodovia estão, por exemplo, playground, viveiro de mudas e construções que fazem parte da história do bairro, como o reservatório de água desativado e que é sede do grupo de escoteiros que existe no local desde os anos 1980.

“Faz quatro anos que esse playground foi reformado ao custo de R$ 250 mil de dinheiro da prefeitura e com a ampliação da pista nós perderíamos tudo”, comenta o administrador José Jacinto Andrade, 63, que é conselheiro gestor do parque. “É um descalabro porque nem sequer fomos consultados a respeito”, diz.

O trecho ainda possui canteiros com vegetação consolidada, incluindo uma falsa-seringueira com diâmetro equivalente ao tamanho de um carro.

“O projeto ignora os princípios, diretrizes e objetivos do Plano Diretor, especialmente quando contraria acordos internacionais para o enfrentamento das mudanças climáticas, dos quais o Brasil é signatário”, diz Renata Esteves, advogada do Movimento Defenda São Paulo.

No restante do percurso até o rodoanel Mario Covas ainda restam outra zona residencial e mais duas áreas de proteção ambiental perto da pista, além de dezenas de grandes estabelecimentos comerciais, incluindo um shopping, prédios de apartamentos e outros tipos de moradias, como uma favela.

Dependentes da rodovia para o deslocamento até bairros com grande oferta de empregos em condomínios de São Paulo e Cotia, moradores do Conjunto Habitacional Raposo Tavares e entorno temem o efeito da obra no custo de vida, diz a aposentada Diva Nunes, 72, presidente da movimento local de moradia. “Vai impactar no bolso, porque quem vai pagar o transporte vai ser o usuário”, comenta.

A avaliação do governo Tarcísio é diferente. Em nota, a gestão disse que não haverá custo adicional aos moradores porque as vias marginais para atender ao tráfego dos municípios não terão cobrança de tarifa e a implantação dos pórticos do sistema free flow ocorrerá somente após a conclusão das obras. As tarifas serão cobradas por quilômetro percorrido nas vias expressas.

Em vez de novas faixas para carros, porém, Diva diz diz que a comunidade reclama a demarcação de uma faixa exclusiva para ônibus.

A ampliação da pista ainda poderia aumentar congestionamentos, ao invés de diminuí-los, devido à capacidade que obras desse tipo têm de se tornarem atraentes para motoristas que até então não utilizam esse caminho, diz Wladimir Bordoni, engenheiro especialista em trânsito.

“O problema não é a Raposo Tavares, mas onde ela desemboca, que é a ponte Eusébio Matoso e na marginal Pinheiros, todas áreas congestionadas. Independente de quantas faixas há na rodovia, ao chegar a esse ponto [no acesso ao centro expandido da capital] há um gargalo”, afirma.

Em sua resposta, a gestão Tarcísio afirma que, com a implantação das marginais, os motoristas que circulam dentro das cidades não precisarão mais acessar as vias expressas, reduzindo assim o número de veículos que trafegam atualmente pela Raposo Tavares.

Um dos pontos nos quais moradores se apegam para tentar barrar o avanço da proposta é o baixo número audiência públicas para a apresentação à população, afirma Sérgio Reze, diretor da Amapar

(Associação dos Moradores Amigos do Parque Previdência). “Não recebemos informações técnicas nem convite para participar de qualquer discussão”, reclama. “Essa ampliação ocorrerá na região lindeira em um lugar que é cidade, com muitas residências, edifícios, comércios, escola e uma área verde significativa.”

O governo estadual alega, no entanto, que o projeto teve mais de 30 dias de consulta pública, com duas audiências presenciais divulgadas nos canais oficiais do governo e imprensa. Após a análise das sugestões recebidas, diz a nota, será definido o projeto a ser concedido à iniciativa privada.

A nota do governo também afirma que as questões relacionadas ao meio ambiente e à mobilidade urbana “serão tratadas oportunamente pelos órgãos competentes, no nível estadual e municipal. Além disso, todos os projetos atendem às restrições e demais disposições da lei de zoneamento urbano vigentes”.

CLAYTON CASTELANI / Folhapress

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