RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A distribuição universal de internet nas escolas públicas é essencial para aplacar questões estruturais da área, como evasão escolar e falta de professores. A conclusão vem de especialistas em educação que se debruçam na busca de inovações de impacto para a área, que necessitaria de uma experiência no nível do SUS, para a saúde, ou do Pix, para a economia.
Com um sistema digital unificado, integrando colégios, secretaria e o MEC, gestores podem cadastrar informações como frequência de alunos e alocação de professores. A partir dos dados, é possível que secretários de educação criem estratégias para melhorar esses índices.
Mas o primeiro passo é a conectividade. O preparo de um programa que visa ampliar o acesso à internet para todos os colégios do país foi anunciado em julho pelo Ministro da Educação, Camilo Santana.
A criação de uma infraestrutura pública digital para gestão de ensino foi tema de debate realizado pelo Cieb (Centro de Inovação para a Educação Brasileira), uma organização que busca apoiar o ensino público, no final de agosto.
O evento teve a participação de Beatriz Vasconcellos, gerente de programas do Instituto para Inovação e Propósito Público da UCL (University College London), no Reino Unido, de Marcelo Perez, especialista líder em educação do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), de João Abreu, diretor-executivo da ImpulsoGov, Mayara Yano, do Banco Central, e Julia SantAnna, diretora-executiva do Cieb.
A mediação foi de Guilherme Cintra, diretor de inovação e tecnologia da Fundação Lemann.
“É importante garantir que as escolas tenham internet e computador. Não faria sentido estar discutindo infraestrutura pública digital se a gente não tivesse uma perspectiva tão otimista de rede e equipamentos nos colégios”, disse Julia Sant’Anna.
Esse ecossistema digital em educação inclui dados; softwares para gerir processos maiores que são comuns a todas as escolas, como enturmação de alunos; e serviços específicos, como avaliações pedagógicas. É o que afirmou Beatriz Vasconcellos, da UCL.
Hoje, o Brasil conta com o Censo Escolar, que fornece informações sobre a estrutura dos colégios no país e a aprovação dos estudantes, publicado uma vez por ano. No entanto, para Júlia SantAnna, isso significa que o gestor só se dá conta da situação de sua escola após o fim de um ciclo.
Ela defende que é necessário encurtar o prazo desse trabalho. Uma proposta seria o governo federal indicar dados básicos de gestão, como as matrículas dos alunos, para fazer um acompanhamento bimestral. A definição desses dados deve fazer parte da construção da infraestrutura digital.
Marcelo Perez, do BID, apresentou no debate pilares para um bom Sistema de Gestão Educacional.
Em uma primeira fase, é preciso criar identificação única (que pode ser um documento, como CPF) para grupos como alunos, cargos e escolas, segundo Perez. A partir dessa base, é possível construir uma gestão de dados associados. No caso dos estudantes, isso poderia incluir informações sobre qualificações e repetências, por exemplo.
A fase final seria digitalizar funções da gestão. Matrículas dos alunos e designação de cargos para professores poderiam ser feitos com base em dados.
Além disso, o desenvolvimento do sistema deve considerar o contexto do país e, se necessário, variar segundo a realidade local. Beatriz Vasconcellos, da UCL, cita o caso da digitalização do ensino na Índia.
Uma das criações indianas foi para registro de frequência dos estudantes. Nela, os gestores marcam a presença do aluno no papel, fotografam, e a imagem entra em um sistema digital, que dá acesso a informações de colégios em todo estado.
A experiência mostrou que é possível desenvolver uma plataforma usando os recursos disponíveis, com apenas um dos profissionais tendo um dispositivo que acessa a internet.
“A ideia não é padronizar, mas pensar o que pode ser escalável de acordo com especificidades e diversidades locais”, afirma.
No evento, os especialistas afirmaram ainda que experiências do SUS e do Pix podem influenciar uma plataforma para a educação. Ambos tiveram sucesso como infraestrutura pública digital, segundo os debatedores, por se destacarem em gestão de dados e escalabilidade.
No caso do Banco Central, a estratégia de comunicação ajudou a conquistar a confiança dos usuários, com ampla divulgação sobre o que é a ferramenta e quais os benefícios.
Mayara Yano, assessora sênior da gerência de gestão e operação do Pix na instituição, diz que foram definidas diretrizes de comunicação comuns para que cada banco passasse o mesmo conteúdo, ainda que a linguagem variasse.
Já no SUS, a Rede Nacional de Dados de Saúde (RNDS) é um modelo ideal de infraestrutura pública digital, segundo João Abreu, da ImpulsoGov, uma organização voltada a elevar o uso de tecnologias no sistema público de saúde. A RNDS inclui o Conecte SUS, que registra informações como vacinação.
A rede faz uma troca de dados de saúde entre diferentes instituições, públicas e privadas, integrando essas informações em uma mesma plataforma. Ela ainda está em processo de ampliação, mas tem a promessa de transformar o setor.
Guilherme Cintra, da Fundação Lemann, afirmou que experiências já existentes no setor público podem ser adaptadas para a educação.
“É relevante trazer que não tem nada de diferente sendo feito. Quem está no dia a dia das escolas tem muito desafios, e inventar coisas novas não é o que vai levar a gente a ter melhorias. É uma questão de ter recurso e usar bem os dados.”
LUANY GALDEANO / Folhapress