Amputações de pernas e pés alcançam em 2022 o maior nível em dez anos

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O número de amputações de pernas e pés no país atingiu em 2022 o seu nível mais elevado em dez anos. No período, foram registradas um total de 269.820 intervenções cirúrgicas, sendo 31.190 somente no ano passado, o equivalente a uma média de 85 amputações por dia.

De acordo com dados do Ministério da Saúde organizados pela SBACV (Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular), houve um crescimento de 7% (29.145) em comparação a 2021 e um aumento de 65% (18.908) em relação a 2012.

Os números mostram ainda disparidades no percentual de amputações entre os estados brasileiros. Alagoas é a unidade federativa com o maior crescimento, com uma variação no número de procedimentos de 214% em comparação a 2012.

Logo em seguida, estão os estados do Ceará, Amazonas e Rondônia.

Os números apresentados na reportagem são absolutos, sem considerar a taxa da população que aumentou em 2022. O Brasil tem 203,1 milhões de habitantes, apontam os primeiros dados do Censo Demográfico 2022, isso corresponde a 6,5% (12,3 milhões a mais) a mais que o Censo de 2010.

Os dados coletados são relativos a amputações não traumáticas, ou seja, aquelas que não têm relação com acidentes de carro, por exemplo.

Julio Peclat, presidente da SBACV, diz que a diabetes é responsável por mais da metade das amputações. O tabagismo, hipertensão arterial, insuficiência renal crônica também são outros fatores que levaram a esse quadro.

Para Peclat, um dos principais fatores que pode explicar o número de amputações em pessoas diabéticas está na falta de cuidado com a doença. Observou ainda que esse aumento também está relacionado a pandemia da Covid, uma vez que muitas pessoas deixaram de buscar ajuda no tempo certo e a revascularização do membro é uma opção inviável.

“Já existia um número grande de pacientes isquêmicos sem circulação adequada nos membros inferiores antes da pandemia, isso é uma demanda antiga da cirurgia vascular. Esse levantamento mostrou que durante a pandemia o tratamento foi adiado, retardado e, agora, essa demanda é maior. É um recorde de amputações no Brasil”, disse.

Dados do Previne Brasil, programa federal que vincula parte dos recursos da atenção primária ao cumprimento de metas assistenciais, mostram que mais de 80% dos municípios ainda não conseguem o mínimo de controle de seus diabéticos, que é dosar a hemoglobina glicada de metade desses pacientes uma vez por ano.

A aposentada Nilda Silva Castro, 82, foi diagnosticada com diabetes aos 40 anos. No entanto, mesmo após o diagnóstico, ela não adotou hábitos de vida mais saudáveis, como uma alimentação equilibrada. Com o passar dos anos, a negligência com a doença acabou agravando a situação, e uma rachadura que inicialmente apareceu em seu calcanhar direito começou a se deteriorar gradualmente.

Essa ferida causava a ela uma dor intensa, e Nilda recorda-se de diversas ocasiões em que chegou ao hospital, em lágrimas, devido à gravidade da situação.

Em uma dessas visitas, uma médica explicou que a única solução viável para resolver o problema e melhorar sua qualidade de vida seria a amputação da metade de sua perna direita. Esse procedimento foi realizado em junho do ano passado.

“Os médicos pediam para eu tomar cuidado com a alimentação, mas eu achava que nada aconteceria e comia de tudo”, recorda. “A vida hoje é mais difícil e dependo da ajuda da igreja, família para as fraldas geriátricas e cesta básica”, disse.

Os dados mostram ainda que os diabéticos submetidos à amputação apresentam baixas taxas de sobrevida. Aproximadamente 10% dos pacientes não sobrevivem nos primeiros 30 dias após a amputação, e esse número aumenta para 30% durante o primeiro ano após o procedimento

“Eu quero dizer com isso que o paciente amputado passa a ser um paciente com riscos maiores de outras doenças. Ele vai se locomover menos, virar na cama com mais dificuldade, ele está mais suscetível a infecção pulmonar, trombose venosa. O que a gente tem que fazer é um trabalho forte de prevenção dessas doenças crônicas”, afirmou Peclat.

Ricardo Augusto Carvalho Lujan, médico do Hospital das Clínicas de Salvador e membro da diretoria da SBACV, enfatizou que em muitos casos, as pessoas não cuidam de sua saúde diante da diabetes ou desconhecem que estão sofrendo da doença até que uma lesão já esteja presente.

“O principal foco de nossa atenção deve ser a prevenção”, ressaltou. “As pessoas não devem procurar assistência apenas quando adoecem, mas também devem cuidar de sua saúde para se manterem saudáveis. Tudo começa com uma boa atenção primária”, acrescentou

Levimar Rocha Araújo, presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes, disse que tem crescido muito o número de diabetes no país. Atualmente, aproximadamente 16 milhões de pessoas lidam com o diabetes tipo 2, enquanto outras 600 mil enfrentam o tipo 1, que exige a aplicação diária de insulina.

Araújo observa ainda um aumento no número de casos de diabetes em crianças durante a pandemia –não há dados consolidados sobre isso. Ele atribui essa tendência ao próprio vírus da Covid-19, que ataca diretamente as células beta, responsáveis pela produção de insulina.

Ele esclarece que, em decorrência do descontrole da glicose em pessoas com diabetes, muitas delas perdem a sensibilidade nos pés, tornando qualquer ferida ou lesão um risco para o desenvolvimento do que é conhecido como “pé diabético”. Essas feridas frequentemente não cicatrizam adequadamente, tornando-se focos de infecção.

“Uma das nossas maiores preocupações está na prevenção, hoje 46% das pessoas com diabetes, principalmente do tipo 2, não sabem que são diabéticas. Na pandemia, as pessoas ficaram mais sedentárias em casa, aumentaram a sua ingestão calórica, ganharam mais peso, o que aumenta a incidência de diabetes”, disse Araújo.

RAQUEL LOPES / Folhapress

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