BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O economista André Lara Resende vê a PEC (proposta de emenda à Constituição) que amplia a autonomia do Banco Central como um retrocesso, enquanto Henrique Meirelles, ex-presidente da instituição, fala em garantia de perenidade da independência.
Economistas e funcionários da autoridade monetária foram convidados a debater na manhã desta terça-feira (18), na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, a proposta que busca dar autonomia financeira e orçamentária ao BC.
“A PEC como está não é um avanço institucional, é um profundo regresso. É uma volta a uma ideia das atribuições do Banco Central executadas por um banco público-privado, pré-1945”, afirma Lara Resende, que também é ex-diretor do BC.
Com a PEC, o BC passaria de autarquia especial para empresa pública de natureza especial, submetida ao regime jurídico de direito privado, o que daria maior poder à instituição sobre o seu próprio orçamento, como ocorre com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).
Para ele, não seria preciso uma PEC tocando em assuntos “tão difíceis” para resolver uma questão de dotação orçamentária da autoridade monetária.
Como mostrou a Folha, o BC perdeu 20,1% de sua força de trabalho em uma década. O enxugamento do quadro de funcionários ativos é puxado sobretudo pela combinação de aposentadorias (quase 85% do total) com a falta de reposição de mão de obra por meio de novos concursos públicos o último foi realizado em 2013.
Esse quadro de deterioração gerou uma série de mobilizações dos servidores da instituição nos últimos anos por reajustes salariais e medidas de reestruturação de carreira.
Lara Resende comentou as implicações fiscais da retirada do orçamento do BC do escopo do Orçamento da União, destacando a remuneração das reservas de depósitos a prazo.
“Um Banco Central que custa hoje R$ 5 bilhões vai ter espaço para chegar a até nove vezes isso. Veja o que estamos abrindo de potencial de gastos”, afirmou. “Isto na defesa das pessoas que são consideradas responsáveis fiscais e vivem avisando sobre problema do risco fiscal do país e cobrando providências imediatas.”
Ele falou em “estímulo perverso” ao ressaltar que quanto mais altos os juros, mais alta a remuneração de próprio orçamento do BC.
“Corremos risco de voltar a um quadro de fragmentação fiscal, de balcanização fiscal, onde o Orçamento da União, a LDO [Lei de Diretrizes Orçamentárias], se torna mais uma vez uma peça de ficção, completamente irrelevante”, disse.
Ele defendeu que as políticas monetária e fiscal são complementares e não podem ser conduzidas de forma independente e contraditória. Falou ainda sobre o papel do Congresso no aprimoramento das instituições, mas defendeu um caminho diferente do discutido atualmente.
“Essa PEC é um regresso a uma percepção de autoridade monetária de 100 anos atrás. O que devemos pensar é como se desenha a autoridade monetária do século 21, para os desafios de uma moeda digital e o sistema financeiro baseado quase que integralmente em transações imediatas digitais”, acrescentou.
Na saída da sessão, o economista disse à Folha que achou o debate na CCJ menos politizado do que imaginava. “Isso não é uma discussão partidária, não é uma discussão política. Isso é uma discussão de aprimoramento institucional, como deve ser.”
“Foi mais próximo de uma discussão racional de aprimoramento institucional do que eu poderia imaginar, dado o calor do momento das discussões”, complementou.
Na manhã desta terça, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atacou o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, dizendo que ele tem lado político e trabalha para prejudicar o país. Questionado pela Folha sobre o episódio, Lara Resende não quis comentar o assunto.
Na audiência pública, em participação por vídeo, Henrique Meirelles defendeu a autonomia financeira como a última etapa do ciclo de independência da autoridade monetária e ressaltou a importância da previsibilidade para a formação das expectativas dos agentes econômicos para facilitar o trabalho de controle da inflação do país.
“A autonomia formal do BC, inclusive com a possível ampliação para autonomia financeira, é necessária porque o Brasil não pode ficar dependente do compromisso informal com a autonomia do BC a cada presidente eleito”, disse.
“É fundamental ter a garantia de perenidade dessa autonomia. Sem previsibilidade, os riscos se ampliam e fica mais difícil controlar a inflação pela falta de confiança”, acrescentou.
Mais longevo chefe da instituição, cujo mandato durou de janeiro de 2003 a dezembro de 2010, Meirelles recordou sua passagem no comando da instituição. Segundo ele, o presidente Lula honrou o compromisso firmado entre eles, embora na época não existisse autonomia legal em vigor desde 2021.
“Isso permitiu que o país crescesse com a inflação naquela época controlada, gerasse mais de 10 milhões de empregos, 40 milhões de pessoas saíram da pobreza, foi um compromisso importante e cumprido”, disse.
Ressaltou, contudo, que não é possível garantir que tal acordo seja honrado por todos os presidentes eleitos, em argumentação em defesa para o avanço da proposta.
Em sua fala de encerramento, Meirelles defendeu um aprimoramento do debate e finalizou dizendo que o mais importante é assegurar fontes de financiamento para projetos importantes do BC.
NATHALIA GARCIA / Folhapress