SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Será que não está na hora de termos um ministro no Supremo Tribunal Federal evangélico?” A cobrança vinha de antes, mas agora Jair Bolsonaro (PL) sinalizava disposição para emplacar na mais alta corte do país um representante do bloco religioso que tanto o apoiava. “Existe algum, entre os 11 ministros do Supremo, evangélico? Cristão assumido? Não me venha a imprensa dizer que eu quero misturar a Justiça com religião.”
Mais de dois anos depois, em julho de 2021, Bolsonaro usou sua prerrogativa presidencial para indicar à vaga aberta por Marco Aurélio Mello seu então advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça, André Mendonça, nada por acaso um pastor presbiteriano.
Nesse meio-tempo, parafraseando sua ministra Damares Alves, também ela uma pastora, o então presidente defenderia um “terrivelmente evangélico” para o tribunal.
A primeira menção pública ao desejo de nomear alguém do segmento foi feita em maio de 2019, na Convenção Nacional das Assembleias de Deus. Um renomado líder evangélico comparou aquele dia à assinatura de um contrato. Se Bolsonaro voltasse atrás, a multa nas igrejas seria alta.
As maiores lideranças do Ministério Madureira, o mais forte galho da Assembleia de Deus junto com o Ministério Belém, estavam com Mendonça quando, meses depois, ele foi enfim sabatinado por senadores para o cargo. Uma queda de braço política levou o poderoso presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), a passar meses adiando o escrutínio ao qual todo indicado se submete para entrar no STF.
No dia em questão, 1º de dezembro, passado à base de café e pão de queijo, Mendonça enfrentou oito horas de interrogatório na CCJ. A hipótese de sua crença interferir no ofício foi ponto central ali. “Como tenho dito quanto a mim mesmo: na vida, a Bíblia, e no Supremo, a Constituição”, ele se comprometeu.
Reuniu-se com pares de fé no gabinete do então senador Luiz do Carmo (MDB-GO), irmão de um bispo da Madureira, para aguardar o resultado. Estavam lá Manoel e Samuel Ferreira, pai e filho, bispo primaz e líder de fato dessa ala assembleiana, que na atual legislatura tem 23 deputados e seis senadores no Congresso. Outro presente: o pastor Samuel Câmara, da primeira Assembleia de Deus do Brasil, a chamada Igreja Mãe.
O espaço aos poucos foi enchendo. Damares levou a primeira-dama, que protagonizou a cena viral da ocasião. Assim que o triunfo de Mendonça foi anunciado, Michelle Bolsonaro clamou “glória a Deus”, “aleluia” e o “Deus de promessas”, abraçou o ex-ministro de seu marido, deu pulinhos de alegria e falou em línguas, o que pentecostais veem como um dom guiado pelo Espírito Santo.
O bispo Samuel, segundo presentes, chegou a sugerir que as imagens não saíssem dali. A gravação ainda assim encharcou as redes sociais e virou alvo de zombaria, o que levantou acusações de intolerância religiosa contra uma manifestação cara a milhões de crentes.
O placar não foi confortável para Mendonça, mas deu: senadores lhe deram 47 votos a favor, seis a mais do que o mínimo exigido para ser aprovado. A sensação entre atores evangélicos no processo era a de que a maioria dos ministros do governo Bolsonaro não se esforçava pela causa.
“A lealdade da liderança da igreja e a união fizeram com que o Senado aprovasse o ministro André, que hoje tem dado orgulho para a nação”, diz o deputado Cezinha de Madureira (PSD-SP). Membro da igreja que carrega na alcunha política, ele presidia a bancada evangélica naquele 2021.
Mendonça não é o primeiro ministro do Supremo a cortejar o clã assembleiano. Em 2017, num culto que uniu os dois tucanos paulistas de maior plumagem à época, o governador Geraldo Alckmin e o prefeito João Doria, o bispo Samuel contou que falava “diretamente no telefone” com Alexandre de Moraes, “sempre uma pessoa muito respeitadora dos evangélicos”.
Moraes se apressou a justificar a ausência: adoraria ter ido, mas justo na data marcada, 22 de março, tomava posse no STF. Ganhou votos de “abençoado” da plateia de pastores.
Naquela tarde, ao lado de Samuel estava seu pai, Manoel, rosto conhecido em Brasília. Eleito deputado em 2006, endossou a reeleição de Lula e depois achou por bem ladear com Dilma Rousseff, a sucessora petista. Eduardo Cunha, o fiel que clamou para Deus ter “misericórdia desta nação” ao votar pelo impeachment que, como presidente da Câmara, abriu contra Dilma, frequentava um templo da Madureira.
Bolsonaro também cairia nas graças da família Ferreira, o que não impediu Manoel de posar sorridente com Lula após baterem um prato de frango com quiabo em 2021.
Foi numa igreja da Madureira que Mendonça, um presbiteriano, pregou três meses antes de ser sabatinado e dois meses depois da indicação para a cadeira.
Bolsonaro cumpria uma promessa feita a aliados pastores de nomear um evangélico para a corte que, até então, só contara com um ministro dessa fé. Antônio Martins Villas Boas chegou ao tribunal em 1957 com o compromisso de “pôr a nota inconfundível do meu eterno Senhor” em seu trabalho.
Mendonça não discursou na própria posse. O que fez foi emendar no mesmo dia o que seria o início de um tour da gratidão aos líderes evangélicos que se empenharam por seu desembarque no Supremo.
Saiu da cerimônia para uma das igrejas que visitaria nos dias seguintes, na brasiliense Catedral Baleia, sede nacional para a Madureira esculpida com formato do mamífero aquático.
Uma semana antes, recém-aprovado no Senado, ele viajou até o Rio para tocar a rodada de agradecimentos. Almoçou com o bispo Abner Ferreira, também da Madureira, e seguiu com ele para a sede do Executivo fluminense, onde foi recepcionado pelo governador Cláudio Castro (PL). O deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), aliado do pastor Silas Malafaia, também foi.
Mendonça desabafou com Castro sobre o “calvário” com “requintes de drama” que passou até Alcolumbre agendar sua sabatina. Mas ele perseverou. “Imagina se Cristo desistisse da cruz? Não ia ter cristianismo.”
O dia acabou na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a igreja de Malafaia. À plateia de fiéis o dono da casa prestigiou o “amigo, irmão, pastor André Mendonça”. O presbiteriano pregou sobre a “grande vitória que Deus nos preparou”.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress