André Novais Oliveira filma romance em meio à rotina banal e sem idealizações

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Zeca está em luta contra o próprio corpo. Atormentado pela dificuldade de acordar cedo, ele se atrasa com frequência para o trabalho. Um dia, pede que um amigo o force a sair da cama. A estratégia, porém, não dá certo.

O bibliotecário não só acorda tarde, como pega um ônibus que quebra no meio do caminho. Agora a luta é contra a cidade. Quando enfim chega à escola em que trabalha, ele é demitido em razão dos sucessivos atrasos.

“O Dia Que Te Conheci”, filme de André Novais Oliveira que chega aos cinemas nesta quinta-feira (26), começa com uma desventura, mas termina com um romance.

Zeca, personagem de Renato Novaes, se aproxima de Luísa, a funcionária da escola que lhe informou sobre a demissão.

Vivida por Grace Passô, ela oferece uma carona ao bibliotecário e, depois, o convida para beber. Uma coisa leva a outra e os dois acabam se envolvendo. Embora seja uma comédia romântica, o filme rejeita as idealizações típicas desse gênero.

Zeca, afinal, lida com questões espinhosas, como o desemprego e a depressão. Os sinais dessa doença aparecem logo nos primeiros minutos do filme, que ganhou o Grande Prêmio do Festival de Belfort, na França, em novembro passado.

A dificuldade de Zeca para acordar cedo é mais do que preguiça. Trata-se, na verdade, de uma consequência da depressão. “Acho importante colocar esse assunto na tela por ser ainda pouco representado. Além disso, é algo que parte de uma experiência minha”, diz Oliveira, acrescentando que ele próprio enfrenta problemas relacionados à saúde mental.

“Depois da pandemia, esses problemas se agravaram no mundo todo, o que acaba gerando identificação. Por isso, acho que esse assunto precisa ser mais discutido.”

O amor entre pessoas negras é outro tema que ele considera importante discutir. Não raro, o audiovisual costuma fazer um retrato superficial desse grupo e inseri-lo em contextos em que há pouco espaço para a afetividade.

“Na Filmes de Plástico, a gente trabalha com personagens que são pouco representados ou são representados de forma estereotipada.”

Oliveira se refere à produtora mineira que fundou há 15 anos ao lado de Thiago Macêdo Correia, Maurilio Martins e Gabriel Martins. Este último é diretor de “Marte Um”, longa que também joga luz sobre as relações de afeto entre pessoas negras.

“É como se a gente estivesse numa guerra simbólica”, diz Oliveira. “Por um lado, existem essas representações errôneas e muito perigosas. Por outro, existem as representações que estamos tentando construir, que tratam personagens com muito respeito e de uma forma natural.”

Naturalidade, aliás, é uma boa palavra para descrever o tom do filme. Não há reviravoltas na narrativa nem exageros nas atuações de Grace Passô e Renato Novaes. “Para encontrar essa atuação mais natural, houve muito estudo e diálogo com a direção”, diz o ator.

No caso dele, esse diálogo foi facilitado pelo fato de ser irmão do diretor. Com ele, já havia feito outros filmes, como o curta “Nossa Mãe Era Atriz”, de 2023, e o longa “Ela Volta na Quinta”, de 2014. “Quanto mais espaço para fazer perguntas, melhor. Como é o meu irmão, acho que tenho menos timidez na hora de levantar essas questões.”

Já Grace construiu a personagem levando em conta as características que uma funcionária de escola poderia ter. “Pensei que seria um trabalho de muita organização e responsabilidade. Aí fui imprimindo nela esse tipo de personalidade.”

É um pragmatismo importante para a função que a personagem desempenha na história. “Chega um momento em que ela ajuda o personagem do Renato a desvendar o mistério que está acontecendo dentro dele”, diz a artista, referindo-se à dificuldade do personagem em acordar cedo.

Ao longo do filme, a câmera de Oliveira se demora em ações aparentemente banais, como um homem regando uma planta ou jovens andando de skate. Em uma narrativa tradicional, essas cenas possivelmente seriam eliminadas ou consideradas fora de lugar.

Para o mineiro, porém, elas são um projeto estético. É como se estivéssemos observando a vida acontecendo, com seus instantes banais e momentos desimportantes.

“Essa é uma escolha que talvez seja até política. As pessoas descrevem as cenas cotidianas como desimportantes, mas talvez elas sejam até mais importantes do que a cena de um beijo, por exemplo.”

O cotidiano, aliás, povoa as produções de Oliveira. Isso pode ser constatado em filmes como “Quintal”, de 2015, e “Temporada”, de 2018 –longa que ganhou cinco troféus no Festival de Brasília, incluindo o de melhor filme.

“Determinadas cenas que podem parecer sem importância dentro da narrativa na verdade ajudam a construir os personagens. Virar a câmera para o outro lado traz uma nova percepção sobre os personagens e sobre a cidade.”

O espaço urbano é outro elemento que aparece com recorrência nas obras do cineasta. Em “Temporada”, por exemplo, o diretor colocou em evidência as ruas de Contagem —cidade da região metropolitana de Belo Horizonte onde ele foi criado.

Já em “O Dia Que Te Conheci” é a capital mineira que ganha destaque. No longa, Oliveira escolhe planos abertos como se quisesse evidenciar a arquitetura de Paraíso, bairro de classe média baixa de BH.

“Tem a ver com essa busca por entender o cotidiano e transmitir na tela a carga afetiva que existe em determinados lugares”, diz o diretor. “Quero achar beleza em lugares em que as pessoas não a enxergam.”

O DIA QUE TE CONHECI

– Quando 26 de setembro

– Onde Nos cinemas

– Elenco Grace Passô, Renato Novaes, Kelly Crifer e Fabricio FBC

– Direção André Novais

MATHEUS ROCHA / Folhapress

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