BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Logo após a divulgação oficial das medidas de contenção de gastos, na manhã de quinta-feira (28), as figurinhas de aplicativo por mensagem (já enraizadas na comunicação digital dos brasileiros) foram usadas por integrantes do mercado financeiro para tentar traduzir o saldo final do anúncio. “Quem não estiver confuso não está bem informado”, dizia uma delas.
Além da frustração com o impacto fiscal do pacote, a comunicação ineficaz das medidas, muitas delas complexas, ainda gera dúvidas entre economistas sobre o real alcance das mudanças propostas.
Dentro do Executivo, há uma certa insatisfação com a falta de visibilidade de propostas consideradas rigorosas e que poderiam ter ajudado a melhorar a credibilidade do pacote junto a analistas do mercado financeiro.
Elas acabaram ficando escondidas após a escolha política do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de fazer do pacote de ajuste fiscal um anúncio focado em notícias positivas, com direito a pronunciamento do ministro Fernando Haddad (Fazenda) em cadeia nacional de rádio e TV na noite de quarta-feira (27).
Após o pronunciamento, no qual o ministro apenas pincelou as medidas, integrantes do governo entraram em campo, nos bastidores, na tentativa de antecipar alguns detalhes das propostas e reduzir as incertezas que pairavam no ar.
Na manhã de quinta, a apresentação que seria distribuída a jornalistas começou a circular antes entre agentes do mercado financeiro.
Quando o anúncio começou de fato, os ministros Haddad, Rui Costa (Casa Civil) e Simone Tebet (Planejamento) fizeram considerações gerais e responderam a algumas perguntas, mas logo deram lugar à equipe técnica das pastas –a quem coube dar maiores explicações sobre as quase duas dezenas de medidas.
A apresentação, com 21 páginas e coordenada pelo Palácio do Planalto, dedicou três delas ao diagnóstico da situação econômica e fiscal do país.
Em uma das páginas, um gráfico ilustrava que o salário mínimo vai crescer menos, mas sem explicitar os valores estimados –embora as projeções do próprio governo indiquem uma redução de R$ 6 já no ano que vem.
Mesmo as medidas de Imposto de Renda, com a promessa de isenção para quem ganha até R$ 5.000, mereceram apenas uma página na apresentação, que não continha informações básicas: as alíquotas a serem cobradas dos super-ricos ou os descontos a serem aplicados aos contribuintes na base da pirâmide de renda.
O governo chegou a prestar informações desencontradas sobre esse tema. O secretário-executivo do ministério da Fazenda, Dario Durigan, disse na coletiva que quem ganha até R$ 7.500 seria beneficiado, de forma parcial, pela isenção maior no Imposto de Renda. O mesmo valor foi mencionado por Haddad na noite de quarta-feira (27), em reunião com parlamentares da bancada do PT para apresentar o pacote.
A Fazenda precisou corrigir a informação, já que o valor correto da tabela proposta pelo governo é o de R$ R$ 6.980.
A criação do imposto mínimo para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês (ou R$ 600 mil ao ano) também foi alvo de confusão. Na coletiva, o governo informou que a alíquota de 10% sobre a renda total seria exigida de quem ganha a partir de R$ 1 milhão por ano. A informação correta, no entanto, é que a cobrança ocorrerá a partir de R$ 1,2 milhão.
O desencontro das informações tem ampliado o ruído no mercado financeiro sobre as medidas, segundo relatos colhidos pela Folha. Sem entender as mudanças, os economistas não conseguem mensurar quanto, de fato, o governo vai economizar a partir da proposta.
Tiveram ainda pouco destaque mudanças em programas sociais, principalmente no BPC (Benefício de Prestação Continuada), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda.
Beneficiários do programa passarão por uma revisão ampla, sob regras muito mais duras, caso o projeto seja aprovado pelo Congresso Nacional. Mas não há, nos materiais divulgados pelo governo, informações claras para a população de como isso será conduzido.
O governo vai retomar a contabilização de benefícios da seguridade (como aposentadoria, pensão ou o próprio BPC) na renda familiar per capita observada como critério de elegibilidade ao programa. Desde 2020, o Congresso Nacional permitiu descontar esses valores, facilitando a concessão e permitindo até mesmo o acúmulo de dois ou mais benefícios na mesma família.
Na prática, lares que hoje recebem dois benefícios podem passar a receber apenas um, caso o projeto seja aprovado.
Também há um ajuste no conceito de pessoa com deficiência para fins de elegibilidade ao programa. O projeto diz que a pessoa com deficiência é aquela “incapacitada para a vida independente e para o trabalho”, o que tende a excluir pessoas com deficiência de grau leve ou moderado.
Tais mudanças foram resumidas a tópicos na apresentação feita pela equipe técnica da Fazenda, do Planejamento e da Casa Civil.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress