SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A pesquisadora social Maria Cristina Quirino, 45, fez o discurso inicial da manifestação em memória dos nove mortos durante uma ação policial em Paraisópolis com lágrimas nos olhos. Mãe de Denys Henrique, 16, ela pediu punição para os policiais envolvidos na ação e também para autoridades e políticos, dizendo-se cansada de pedir justiça para o caso.
Dezenas de manifestantes caminharam por um trecho da avenida Morumbi, na zona sul de São Paulo, e pararam em frente a um bloqueio policial ao lado de um dos portões do Palácio dos Bandeirantes, sede do governo estadual paulista.
Fizeram o trajeto praticamente todo em silêncio. Alguns manifestantes -familiares de vítimas da letalidade policial- choravam. Um funk tocava num pequeno carro de som enquanto a passeata seguia.
“Eu acho que todo mundo já sabe que hoje não é um dia fácil para mim. Não é fácil para nenhum de nós estar aqui e ter que, todo dia 1º de dezembro, levantar para falar que eles mataram nove jovens no baile funk da Dz7, aqui do lado”, disse Maria Cristina.
Ela interrompeu mais de uma vez o discurso, parte dele feito com a voz embargada, para recuperar o fôlego. Foi abraçada por outras manifestantes.
“Não é só quem aperta o gatilho, não é só quem vive bomba de gás lacrimogênio, não é só quem executa. Não, quem manda também tem que ser punido” disse ela, sobre governadores e secretários estaduais.
Neste domingo (1º) completam-se cinco anos da morte de nove jovens durante uma ação da Polícia Militar na favela Paraisópolis, na zona sul da capital paulista. Até hoje o caso não foi a julgamento, e todos os agentes envolvidos na operação seguem soltos.
O tumulto aconteceu num evento com mais de 5.000 pessoas. Imagens e relatos indicam que a multidão acabou encurralada pela polícia em vielas estreitas. Entre as vítimas havia quatro adolescentes -as idades variam entre 14 e 23 anos.
Versão oficial dos policiais fala em perseguição e confronto com pessoas em uma moto que entrou no baile, o que teria dado início ao tumulto e às mortes. Feridos e parentes das vítimas, porém, dizem que os agentes fizeram uma emboscada somente para acabar com a festa. Familiares refutam a hipótese de que os jovens morreram pisoteados, e acreditam que eles foram mortos espancados por policiais.
O processo atualmente está em fase de audiências na Justiça comum, que ainda vai decidir se os policiais envolvidos vão responder por homicídio doloso (quando há intenção de matar) em júri popular.
Por enquanto, os agentes foram indiciados por homicídio culposo no âmbito militar e pela Polícia Civil, e denunciados por homicídio doloso pelo Ministério Público estadual. Segundo a promotoria, laudos e depoimentos apontam que os PMs assumiram o risco de matar, e que o tumulto foi provocado pela ação dos policiais.
Treze policiais foram denunciados por homicídio doloso e respondem em liberdade. Investigação da Corregedoria da PM apontou legítima defesa. A sexta audiência na Justiça para ouvir testemunhas está marcada para janeiro.
A manifestação foi marcada para ocorrer em frente ao portão do Palácio dos Bandeirantes, mas um bloqueio policial impediu a passeata de avançar. O grupo, de cerca de 60 pessoas, ficou parado no entroncamento das avenidas Morumbi e Padre Lebret.
Discursos ao microfone descreviam casos de brutalidade policial, na capital e em cidades do interior. PMs que faziam a segurança do palácio ouviam os relatos e as críticas à atuação policial.
As famílias levaram estandartes de pano com as imagens das nove vítimas do caso para homenageá-las. Até às 16h deste domingo, o ato transcorria de forma tranquila. Algumas pessoas reclamavam do bloqueio.
Integrantes da Defensoria Pública e o ouvidor das Polícias, Cláudio Aparecido da Silva, compareceram ao protesto. Silva disse que foi ao local com a intenção de mediar a interlocução entre manifestantes e policiais.
Ele também demonstrou-se incrédulo quanto à postura do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em relação a casos de violência policial.
“Nós sempre tentamos [dialogar com o governo], vamos continuar tentando porque acreditamos no ser humano”, disse Silva. Ele lembrou a morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cárdenas Acosta, 22, na Vila Mariana, por um policial militar.
“Outro dia morreu um filho da classe média. A morte do Márcio Aurélio para lembrar que ninguém está protegido, que qualquer um pode ser alvo de um disparo da polícia”, afirmou o ouvidor. “As pessoas precisam despertar.”
TULIO KRUSE / Folhapress