PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – No final de um giro pela Ásia, o presidente da ApexBrasil (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos), Jorge Viana, afirmou que o Brasil deve aproveitar o segundo governo de Donald Trump nos EUA para ocupar parte das vendas de manufaturados ao mercado americano hoje com a China.
“Vai se ter uma nova geografia econômica, do ponto de vista das disputas de mercado, e o Brasil está muito bem posicionado”, diz ele. “Não tenho dúvida de que Trump vai sobretaxar produtos estrangeiros. Agora, o Brasil não tem problema nem pretende ter com Trump.”
Viana diz esperar maior conflito entre Washington e Pequim “em todos os aspectos”, particularmente em manufatura. “A China é hoje o maior centro industrial do mundo, e a tensão já vem desde 2018, com Trump”, diz. “Se aumentar, o Brasil tem condição de avançar. Precisa ter uma estratégia para não perder a oportunidade.”
Argumenta que “o governo [Jair] Bolsonaro ficou brigando com os EUA, demorou meses para reconhecer [o presidente Joe] Biden, e quem se beneficiou foi o México, no saldo comercial”, em detrimento do Brasil.
“Eu sigo a orientação do presidente Lula de ser pragmático”, afirma Viana. “Negócios à parte. Se tiver tensão, não deve alcançar os brasileiros, ao contrário.”
Questionado sobre quais seriam os passos práticos para alcançar o México no mercado americano, diz que não é possível “definir antes que o novo governo assuma e estabeleça suas políticas, mas a expectativa não é ruim. É boa”.
Segundo ele, “o Brasil tem toda a condição pela proximidade de oferecer, caso os EUA queiram ampliar sua independência dos produtos industrializados chineses, ser um fornecedor como o México, o que seria bom para a nossa balança comercial”.
O Brasil é um dos países com déficit comercial na relação com os EUA, “mas a nossa balança é boa, porque com manufatura, alto valor agregado nos produtos, é um ótimo comércio para nós”.
Daí por que “a posse do Trump não pode ser vista como um problema para o Brasil do ponto de vista comercial. Se você olhar bem, o Lula trabalhou muito bem com o [ex-presidente George W.] Bush. Nós nunca tivemos problema com os republicanos no poder”.
“Trump tem anunciado uma série de medidas e vai botar uma carga diferenciada [de tarifas] nesse segundo mandato. Mas isso não é problema do Brasil. Isso é problema dos países que têm algum contencioso com os EUA. Nós não temos nenhum. Nos contenciosos internacionais, o Brasil pode se oferecer.”
Viana falou por telefone do Azerbaijão, na Ásia Central, onde acompanhou o vice-presidente e ministro da Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, na cúpula do clima. A ApexBrasil é ligada à pasta. Antes, passou por Xangai, na China, onde inaugurou um espaço comercial do país, Casa Brasil, mas concentrou sua atenção em Bangkok, na Tailândia, e Tóquio, no Japão.
Em contraste com os elogios aos EUA de Trump, foi crítico das exportações para a China. “Nosso comércio com a China é maior, mas, se você olhar, mais de 75% dos produtos que a gente exporta são três commodities. E a China exporta manufatura para nós, tudo produto industrializado.”
Questionado sobre a abertura do porto de Chanqay, no Peru, obra chinesa que poderia ser usada pelos exportadores agrícolas brasileiros para exportar para a Ásia, Viana respondeu que “em 2014 o presidente Xi Jinping falou, ‘eu financio a ferrovia ligando o Atlântico ao Pacífico’, chegando nos portos”. Mas ela “está paralisada”.
Desde a primeira vez como governador do Acre, diz ter estado na China várias vezes, defendendo a ferrovia. Questionado se a saída para construí-la é o Brasil entrar na Iniciativa Cinturão e Rota, o programa chinês, responde que “aí vai vir carga ideológica que pode prejudicar” o país.
“Aí a gente abre um contencioso ideológico e pode ter prejuízo comercial”, argumenta. Nos últimos meses, ao menos dois enviados dos EUA alertaram, no Brasil, que o governo Lula não deveria assinar o memorando de adesão ao programa, durante a visita de Estado de Xi, na próxima quarta-feira (20).
NELSON DE SÁ / Folhapress