WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – “Mesmo que você esteja doente como um cachorro, você diz: Querida, eu preciso fazer isso. Mesmo que você vote e depois morra, vale a pena. Lembre-se disso”, disse Donald Trump a apoiadores em um comício no domingo (14), véspera da largada da disputa pela indicação do Partido Republicano à Presidência dos Estados Unidos.
E eles ouviram.
Na primeira votação enfrentada pelo ex-presidente depois da derrota de 2020 e a invasão do Capitólio, nesta segunda (15), sua vitória foi acachapante: o empresário venceu em 98 dos 99 condados de Iowa, ampliou substancialmente seu apoio entre evangélicos, e viu suas margens subirem mesmo em estratos mais resistentes a ele, como eleitores mais escolarizados, urbanos e de maior renda.
O resultado geral foi um êxito inédito no estado, de 51% 30 pontos à frente do segundo colocado, outro recorde, e praticamente o dobro do que o ex-presidente havia conquistado no caucus de Iowa em 2016 (24%).
A parca esperança de surpresa da noite, a disputa pelo segundo lugar, acabou sem grandes emoções, com o governador da Flórida, Ron DeSantis, cumprindo a obrigação de alcançar o posto depois de ter apostado todas as suas fichas no estado. Ele teve, no entanto, apenas 21,2% dos votos.
Logo atrás veio Nikki Haley, com 19,1% de apoio. Para a ex-governadora da Carolina do Sul, ultrapassar DeSantis era essencial para sua candidatura ganhar impulso e oferecer alguma ameaça a Trump. Foi ela, porém, e não DeSantis quem venceu no único condado dos 99 que o empresário não levou: Johnson, onde fica a Universidade de Iowa. Por um voto.
Como esperado, o empresário Vivek Ramaswamy não chegou a pontuar dois dígitos. Ao final da noite, ele anunciou sua saída da corrida e apoio a Trump. No dia seguinte, foi a vez de Asa Hutchinson desistir.
Restam agora apenas três na disputa, embora Haley esteja tentando emplacar que são apenas dois: ela e Trump. A candidata afirmou que não vai mais participar de debates que não incluam o ex-presidente ele ignorou todos até agora, o que levou ao cancelamento de um embate previsto com DeSantis nesta quinta-feira (18) em New Hampshire, próxima parada das primárias republicanas.
Os números de Iowa, no entanto, mostram pouco espaço para crescimento de qualquer alternativa a Trump. A principal brecha foi o percentual de 31% de republicanos que afirmaram não considerar o empresário apto para ser presidente se ele for condenado pela Justiça.
A fatia não tem peso suficiente para fazer diferença nas primárias republicanas, mas foi pinçada por analistas democratas, que veem nesse grupo uma rachadura fundamental na candidatura de Trump em uma eleição nacional.
Outra fragilidade do empresário está nos eleitores de maior renda e mais escolarizados, embora mesmo nesses grupos ele tenha conseguido ampliar sua vantagem em comparação com a votação obtida em 2016.
Uma análise feita pelo New York Times mostra que Trump alcançou, em média, 60% de apoio em regiões mais pobres uma vantagem de 43 pontos percentuais para o segundo colocado. Já em áreas mais ricas, sua votação média cai para 37%, reduzindo sua margem de vitória para 8,1 pontos percentuais. Não obstante, ele segue em primeiro lugar.
Contraste semelhante ocorre na comparação entre áreas com mais e menos habitantes com diploma de ensino superior. No primeiro caso, a votação média em Trump é de 37%, o que o coloca 7,4 pontos à frente do segundo lugar. Já no segundo, o empresário tem o apoio de 66%, o que lhe confere uma vantagem impressionante de 50 pontos percentuais.
O ex-presidente também deveu sua vitória em Iowa para o eleitorado evangélico perfil com sobreposições ao de menor renda e menos escolarizado.
Análises com base no perfil do distrito em que o caucus (uma reunião com hora marcada em que os participantes escrevem seu voto em um pedaço de papel após ouvir defensores de cada candidato) foi realizado mostram que, naqueles com maior percentual de evangélicos, a votação de Trump passou de 23% em 2016 para 58% em 2024.
E, mesmo naqueles com menor percentual de religiosos, que seriam uma esperança para Haley, de perfil mais moderado, essa fatia subiu de 26% para 54%.
DeSantis havia apostado justamente em ganhar o apoio dos evangélicos, vendendo-se como uma versão tradicionalmente conservadora e menos caótica do ex-presidente, e recebeu apoio do influente líder Bob Vander Plaats.
A estratégia tinha sentido. Em 2016, quando Trump concorreu pela primeira vez, esse eleitorado apoiou Ted Cruz, que venceu o empresário em Iowa (embora até hoje ele não reconheça essa derrota).
Um modelo estatístico elaborado pelo Washington Post, no entanto, mostra que Trump abocanhou boa parte do eleitorado de Cruz no estado e conseguiu manter 90% do seu próprio.
DeSantis conseguiu levar consigo uma parte dos eleitores de Cruz, mostra o modelo, mas praticamente não teve nenhum impacto sobre o eleitor de Trump de 2016.
Há apenas dois perfis em que ele tem mais apoio do que o empresário, de acordo com as pesquisas de boca de urna. O primeiro são os mais jovens: na faixa de 19 a 29 anos, 30% declararam apoio ao governador da Flórida, 25% a Haley e 22% a Trump.
Mas quanto mais velho o entrevistado, maior o apoio ao ex-presidente, chegando a 58% entre aqueles com 65 anos ou mais.
O segundo perfil é composto por aqueles que afirmam que o aborto foi a questão mais importante para decidir seu voto. Nessa parcela, DeSantis teve 46% de apoio. Trump e Haley ficaram empatados, com 25%.
No entanto, apenas 11% dos eleitores do caucus desta segunda posicionaram a interrupção da gravidez como um tema decisivo um contraste com o eleitorado democrata e independente, cuja participação eleitoral aumentou desde que a Suprema Corte liberou os estados para decidirem como regular o procedimento.
Na boca de urna, a questão mais importante para os republicanos em Iowa foi economia (38%) e imigração (34%), grupos em que Trump obteve mais de 50% da preferência.
Um ponto fraco do empresário são os eleitores que acreditam que Joe Biden venceu legitimamente a eleição de 2020. Entre eles, Haley tem 53% de apoio, DeSantis, 29%, e Trump, 11%. No entanto, em Iowa, menos de um terço se enquadra nessa categoria, de acordo com o Consórcio Nacional Eleitoral 66% corroboram as teorias, sem provas, de fraude do ex-presidente.
Biden, o provável candidato à reeleição pelo Partido Democrata, afirmou que Trump é o favorito para disputar a Casa Branca após a vitória expressiva no caucus. Ao acrescentar que a corrida eleitoral se dará contra extremistas, o presidente pediu mais recursos para sua campanha.
“Parece que Donald Trump acabou de ganhar em Iowa. Ele é o claro favorito do outro lado neste momento”, escreveu Biden nas redes sociais nesta terça (16), em mensagem acompanhada de um link para doações. “Sempre soubemos que esta eleição seria eu e você [eleitor] contra os republicanos extremistas do Maga [sigla para Make America Great Again, slogan do ex-presidente]. Então, se você está conosco, contribua agora”, afirmou.
FERNANDA PERRIN / Folhapress