BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O ministro da Economia e peronista Sergio Massa, candidato mais votado no primeiro turno argentino, disse nesta segunda (23) que não quer envolver o presidente Lula (PT) nas eleições de seu país e que um eventual apoio à sua campanha ao segundo turno será uma decisão do brasileiro. Ele disputará o segundo turno com o ultraliberal Javier Milei em 19 de novembro.
“Tenho uma relação de muito afeto com o presidente Lula, um enorme respeito por Fernando Haddad, por Gabriel Galípolo [diretor de política monetária do Banco Central], pelo vice [Geraldo] Alckmin e por muitos dirigentes do Brasil. Não quero envolvê-los na eleição argentina, apesar de claramente haver uma simpatia mútua”, disse ao ser questionado pela reportagem sobre o tema em entrevista à mídia estrangeira.
“Será decisão deles envolver-se ou não do ponto de vista eleitoral. Tenho uma enorme gratidão por sua simpatia e afeto, mas também pelo trabalho comum em assuntos energéticos, vinculados ao comércio bilateral, automotivo, por abrir novos mercados. E nisso temos trabalhado de maneira muito intensa no último ano”, continuou, acrescentando que seria um “delírio” romper com o Mercosul a medida já foi defendida por seu rival, Milei.
Ele afirmou que separa “o que é público e o que é pessoal”, e que por isso não quis comentar sobre o que conversou com Lula após as eleições neste domingo. O brasileiro teria parabenizado Massa por WhatsApp, dizendo “imenso[,] meu amigo”, segundo o jornal argentino Clarín, o que o Palácio do Planalto nega. Até a tarde desta segunda, o presidente não se manifestou publicamente sobre os resultados.
“Devo contar que foram vários presidentes da América Latina [que me enviaram mensagens], vários dirigentes políticos e funcionários da Casa Branca e vários líderes europeus, e isso me alegra e me dá mais responsabilidade.”
Integrantes do governo brasileiro veem como uma surpresa boa o resultado do primeiro turno na Argentina, em que Massa superou o ultraliberal Javier Milei por 36,7% a 30%. Nas redes sociais, ministros de Lula comemoraram o resultado. Nos bastidores, porém, integrantes do governo adotam cautela ao tratar de Milei, por temer uma virada.
A campanha de Massa tem sido auxiliada por um grupo de publicitários brasileiros que fizeram as campanhas presidenciais de Lula em 2022 e de Haddad em 2018, usando as experiências que adquiriram tanto na vitória quanto na derrota contra Jair Bolsonaro. Uma das táticas aprendidas é atacar as propostas do rival, e não ele pessoalmente.
O ex-presidente brasileiro, por sua vez, gravou vídeos em apoio a Javier Milei. Seu filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), também viajou à Argentina neste fim de semana para respaldar candidatos ligados ao libertário. Neste domingo, ele foi interrompido enquanto defendia a posse de armas num programa de TV argentino.
Na reta final da campanha do primeiro turno, enquanto Milei insistia em seu “plano motosserra” contra os gastos públicos, Massa tentou injetar medo nos corações e mentes dos argentinos sobre o que pode acontecer se os subsídios e serviços públicos forem cortados, como as passagens de transporte público.
Questionado pela reportagem sobre como pretende controlar as contas públicas em déficit do país mantendo a política de subsídios, ele respondeu que “o que estamos fazendo até agora é tirar os subsídios dos que não precisam, mas proteger os que, sim, precisam”.
“Um trabalhador argentino pagaria dez vezes mais no trem e sete vezes mais no ônibus se tirássemos o subsídio. Eles [a coalizão de Milei] propõem tirá-lo, eu proponho protegê-lo como uma forma de salário indireto. Até que não recuperem sua renda, os aposentados e trabalhadores argentinos não estão estão em condições de pagar dos seus bolsos”, disse.
Após seu bom desempenho nas urnas, Massa fez um discurso em que deu ênfase à necessidade de uma unidade nacional e fez acenos aos candidatos Juan Schiaretti e Myriam Bregman, que obtiveram cerca de 7% e 3% dos votos, respectivamente. “Estou convencido de que esse não é um país de merda como têm dito, e sim um grande país”, afirmou.
Agora, parte dos analistas avalia que o ministro da Economia passou a ser favorito para o segundo turno, mas ele ainda terá dificuldades. Apesar de ter saído na frente e mostrado a força da máquina do peronismo, o grupo registrou sua pior votação em 40 anos de democracia. Terá ainda que convencer os eleitores de que é capaz de resolver a grande crise econômica que comanda atualmente, com uma das maiores inflações do mundo e salários que derretem na mão dos argentinos.
JÚLIA BARBON / Folhapress