Após ano fora da curva, fundos de infraestrutura podem perder ímpeto com cenário desafiador

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os fundos de investimento em infraestrutura tiveram um ano fora da curva em 2024. O segmento somou R$ 111,2 bilhões em captação líquida no ano passado, segundo dados da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) –um salto de mais de 700% em relação aos R$ 13,8 bilhões de 2023.

A bonança do setor, no entanto, deve perder parte do ímpeto neste ano, segundo especialistas consultados pela Folha.

“O movimento do ano passado foi impulsionado por mudanças estruturais, que levaram à criação de fundos exclusivos de infraestrutura e à reestruturação de carteiras. Pode haver um resquício agora em 2025, mas o crescimento tende a ser menor, mais voltado a enquadramento de carteira”, diz Clara Sodré, analista de fundos da XP Investimentos.

Ela afirma que houve uma primeira onda de investimentos, na qual gestoras surfaram em uma série de mudanças promovidas pelo governo Lula (PT) que colocaram os fundos de infraestrutura como opção de “liquidez e proteção de patrimônio”.

A segunda onda –agora em curso– será de alocação estratégica. Em um cenário de juros e inflação elevados, há entraves possíveis para empresas que tomam dívida no segmento e para fundos que precisam fazer novas captações.

“A palavra aqui é seletividade, que ganha ainda mais importância em um cenário como esse. O investidor precisa ter diligência na alocação, fazer cálculos e ter foco no longo prazo, e não só aplicar nos fundos de infraestrutura pensando nos benefícios fiscais. A busca por esse segmento segue alta, apesar dos juros elevados, mas esperamos que tenha menos força do que no ano passado.”

O salto em 2024 teve como motor mudanças regulatórias do governo. O CMN (Conselho Monetário Nacional) restringiu a emissão de títulos de crédito privado isentos de tributação –no caso, CRI e CRA (certificados de recebíveis de infraestrutura e do agronegócio) e LCI e LCA (letras de crédito de infraestrutura e do agronegócio).

Soma-se a isso a própria composição dos fundos de infraestrutura. Eles são alocados em títulos de dívida de concessionárias e empresas autorizadas a explorar serviços públicos de diversos setores. Se tiverem ao menos 85% das alocações em debêntures incentivadas, são isentos de Imposto de Renda. A isenção também é sobre o ganho de capital no momento de venda da cota.

As limitações na emissão de títulos isentos levou o investidor já acostumado com o benefício fiscal a buscar alternativas semelhantes, diz Rafael Quintas, chefe de investimentos renda fixa na Safra Asset.

Com a demanda, o número de fundos do segmento disponíveis no mercado foi de 441, do final de 2023, para 1.195 em 2024. Alguns são pulverizados –isto é, estão alocados em múltiplas debêntures, escolhidas a partir de uma análise de crédito e histórico de pagamento–, outros são estruturados em torno de um projeto específico, que tendem a ser acompanhados de perto pelos gestores e a terem fatias maiores no portfólio do fundo.

Entre os setores mais aquecidos, os analistas destacam os de energia elétrica, transporte e saneamento. É um movimento que casa, também, com a defesa do governo Lula de elevar a participação do capital privado nos projetos de infraestrutura, especificamente em rodovias e ferrovias. Em 2023, os recursos privados somaram 49%. A meta é elevar essa fatia a 75% até 2026.

A busca por capital privado está ancorada em um plano de concessões que reúne projetos novos e outros que estavam parados. No conjunto serão 35 rodovias, com a perspectiva de atrair US$ 41,9 bilhões (R$ 242 bilhões) em investimentos, e cinco novas ferrovias, cujos aportes estão estimados em US$ 13,5 bilhões (R$ 75 bilhões).

“Por um lado há o incentivo dos leilões. Por outro, os gestores de fundos podem estar em projetos talvez não tão maduros, onde há riscos de obra, por exemplo. O histórico do gestor acaba sendo importante, porque, em um cenário com inflação alta e juros altos, é mais desafiador que projetos parem de pé”, avalia Quintas.

A taxa básica de juros do país, a Selic, está em 13,25% ao ano e, até março, deve chegar a 14,25%. A previsão de economistas consultados pelo BC (Banco Central) no último boletim Focus é de que a taxa encerre o ano em 15%. Já a expectativa para a inflação é que o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) bata 5,5% ao final de 2025.

Geralmente, as debêntures incentivadas têm como fórmula de retorno a variação do IPCA mais uma taxa pelo prêmio de risco, definida no momento da emissão.

A combinação de riscos –tanto macroeconômicos, quanto do fato de os fundos de infraestrutura estarem atrelados a prazos mais longos e a projetos sujeitos a entraves– inspira mais cautela para este ano.

“Nesse cenário mais adverso, talvez a dinâmica de preço seja menos importante que a análise de crédito. Saber quais projetos vão ter mais ou menos dificuldade em um cenário de juros, dólar e inflação altos, saber quem são os gestores que têm os melhores históricos. Isso deve ser o norte do ano e onde os fundos vão se diferenciar”, afirma Quintas.

“Para o investidor, é um produto que descorrelaciona a carteira dele de outros fatores de risco. Às vezes, o cliente tem um pouco mais de medo de ir para áreas de consumo, por exemplo, por causa dos juros elevados, ou de ir para o mercado de ações. Boa parte das concessões de infraestrutura são ao menos ajustadas pela inflação.”

TAMARA NASSIF / Folhapress

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