Após briga com a Flip, feira de editoras independentes faz primeira edição em SP

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Flipei, Festa Literária Pirata das Editoras Independentes, acontece em São Paulo neste ano pela primeira vez.

O evento era realizado de forma paralela à Flip, em Paraty, desde 2018, como forma de dar espaço para editoras e autores alternativos. Agora, migra para a capital paulista após desentendimentos com a organização da tradicional feira carioca.

Os organizadores da Flipei afirmam que a programação de 2023 teve debates e shows atrapalhados pela presença da Polícia Militar –segundo eles, a corporação teria sido acionada pela direção da Flip.

“A Flip teve um período elitista e excludente. A abertura para as casas parceiras foi uma tentativa democrática de integrar mais o público e o mercado editorial”, diz a Flipei. Os organizadores não detalharam à reportagem quais seriam os motivos para o conflito entre os dois eventos. “A pergunta permanece: qual o limite de participação que a direção da Flip permite?”.

Em nota, a Flip diz que as afirmações da Flipei não procedem. “Envidamos todos os esforços a nosso alcance para mediar de forma pacífica o conflito entre o avanço da programação musical da Flipei madrugada adentro e o respeito à comunidade local e sua legislação municipal.”

Diante dos desentendimentos, os organizadores da Flipei optaram por deixar a cidade de Paraty. Com isso, a feira pela primeira vez será realizada sem ser uma alternativa à Flip.

A programação prevê mesas de debate, música e a apresentação de livros lançados por editoras independentes desta sexta-feira até o domingo, no bairro do Bixiga, região central de São Paulo.

Os temas em destaque são a causa palestina, aborto e big techs. Entre os palestrantes estão o jornalista palestino Mohammed Omer, a antropóloga Rita Segato, a urbanista Raquel Rolnik, o líder do Movimento Sem-Terra, João Pedro Stédile, a deputada federal Erika Hilton, do PSOL, e o candidato à prefeitura pelo mesmo partido, Guilherme Boulos. A programação musical tem nomes como KL Jay, do Racionais MC’s, e BNegão.

O líder religioso David Dias, pai de santo e autor de “Sincretismo na Umbanda”, da editora Encruzilhada, abre a programação. “A umbanda recebeu um choque colonial tamanho que, frequentemente, somos acometidos com falas de pessoas que negam sua negritude e sua origem acreditando piamente que a umbanda seja brasileira, desqualificando uma série de vestígios históricos que comprovam sua identidade africana bantu.”

Segundo ele, as editoras independentes desempenham um papel crucial na democratização do acesso à literatura, publicando obras de autores que não encontram espaço nas grandes editoras comerciais.

“Se por um lado observamos o movimento de muitos que deslegitimam o conhecimento contido nos livros, atrelado, sobretudo ao declínio do mercado editorial, por outro notamos editoras e autores que apostam insistentemente no Brasil da educação, que cedem espaço àqueles que não dispõem de capital financeiro para serem ouvidos.”

Um dos grandes destaques do evento é a presença da escritora trans McKenzie Wark. Professora de mídias e estudos culturais na New School for Social Research, em Nova York, a australiana aborda em seus livros temas como a cultura digital. No Brasil, Wark publicou “O Manifesto Hacker” e “O Capitalismo Está Morto”.

No dia 10, ela lança o livro “Filosofia para Aranhas – Sobre a Baixa Teoria de Kathy Acker”. No texto, Wark desenvolve uma teoria baseada em ramificações de apropriação e colagem, inspirada pelo cérebro aracnídeo.

Segundo a própria autora, o texto também fala sobre a experiência do corpo e seus prazeres e sobre a mutabilidade do gênero, por meio de uma filosofia mais do sexo do que do desejo. O capitalismo é outro tema sobre o qual ela já trabalha há algum tempo.

“Talvez exista um novo modo de produção que surgiu mais recentemente”, diz, em entrevista. “Aquele que fez da informação uma mercadoria, uma forma de propriedade, e controla a extração de valor através da posse e controle de fluxos e vetores de informação.”

Sobre sua participação na Flipei, a escritora diz imaginar que o mercado editorial brasileiro não seja tão diferente do americano, no qual “um punhado de grandes empresas domina o setor”.

“Podem até ser algumas das mesmas empresas, já que as grandes são corporações multinacionais. Eles publicam alguns livros excelentes, é claro, mas isso é um subproduto acidental do lucro. Geralmente são os editores independentes que assumem os riscos em novos autores, novos tipos de livros, novas versões literárias e na publicação de livros a partir de pontos de vista ou experiências de vida mais interessantes.”

Wark diz ainda ser ótimo que haja um festival específico para editoras independentes. “Que eu conheça, não existe uma Flipei nos Estados Unidos, mas seria uma boa ideia.”

TAYGUARA RIBEIRO / Folhapress

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