SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O uso da cadeira ganhou um novo sentido na campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo após ser utilizada pelo candidato José Luiz Datena, do PSDB, para agredir seu rival Pablo Marçal, do PRTB. A cena inspirou memes, parte deles preocupados com o estado de saúde da cadeira, e críticas.
Mas os paulistanos que presenciaram a cena no domingo à noite, no debate da TV Cultura, têm a chance de encerrar a semana conhecendo usos, digamos, mais nobres do objeto.
Trata-se da seleção de peças desse estilo criadas por artistas na exposição “Uma Cadeira É uma Cadeira É uma Cadeira”, na galeria Luisa Strina. Com curadoria de Nessia Leonzini e Livia Debbane, a coletiva reúne assentos de 54 artistas.
“[A cena do domingo] reforça que a cadeira dá o que falar. Esse objeto tão trivial e tão simbólico foi capaz de canalizar todas essas reações nas redes sociais”, afirma Debanne. “Ela ressignifica a exposição.”
A mostra buscou, desde a concepção, trazer o objeto como uma criação de artistas e não de designers. “Quando pensamos nessa exposição, estava pensando na forma escultórica da cadeira”, afirma Leonzini. “Fizemos questão de não ter design ou esculturas.” Por outro lado, explica, “os artistas convidados [já] trabalharam [anteriormente] com a forma do móvel, da cadeira ou do banco, como arte ou como objeto.”
Debbane afirma que essa separação entre a arte e o design se dá pelas próprias características da criação artística. “Por mais que a gente tenha tentado trazer peças possíveis de serem usadas, que fossem funcionais, o artista não consegue se limitar, ter regras.”
“São formas totalmente distintas de encarar o mesmo objeto. Embora esses dois campos [a arte e o design] estejam se alimentando o tempo inteiro e a tensão do artista no território do design alimente o pensamento sobre a cadeira”, diz.
A exposição conta com obras comissionadas e outras já existentes, como o tríptico “Elegia Mineira”, de 2011, de Adriana Varejão. A artista expõe os estudos dos trabalhos de três cadeiras de carne seca na exposição.
O popular banquinho –não confundir com a “banqueta” do domingo– é a base do trabalho de artistas como Sonia Gomes, uma das brasileiras mais prestigiadas no exterior, que aplica seus tecidos coloridos, cordões e amarrações em “Escondedouro”, de 2017, um banco que poderia esconder uma arma. Já o artista Marepe talhou o banco no formato de lacre de garrafa de champagne em “Banco Lacre”, de 2010.
O vazio dá o tom de “Continued life, End 1800S, 2022”, a dupla de cadeiras esculpidas à mão, em nogueira francesa e tecido, que a artista Maria Thereza Alves criou após a morte de seu marido, o escultor americano Jimmie Durham, em 2022. As peças estão dispostas lado a lado, como um velho casal. “É a ausência e a presença. Ele está lá, sentadinho do lado dela”, afirma Leonzini.
Se, de um lado existe a ausência-presença, de outro há “Siamesa”, deste ano, de Avaf (pseudônimo de Eli Sudbrack) com Yuli Yamagata, uma estrutura de múltiplos materiais que mostram duas cadeiras com espaldares unidos, em tensão, equilibrando-se uma de costas para outra com as pernas tensas.
As obras também convidam o público à interação, como em “Juntes”, de Iván Argote, um banco de base articulada que pede acordo entre seus ocupantes para chegar a um equilíbrio.
O móvel aparece como representação da autoridade em obras como as de Flávio de Carvalho e Seu Fernando da Ilha de Ferro, um pescador que dedicou sua vida a construir este tipo de objeto. São as peças que mais dialogam com o design na exposição.
Representações mais simples da cadeira, por sua vez, são ressignificadas em obras como “Todas as Horas”, de 2019, de Detanico Lain, um bordado sobre a cadeira de praia. No caso de “Moita”, de Rochelle Costi, o mesmo objeto recebe hastes de plantas artificiais e sarrafos de madeira.
Para Leonzini, a diversidade de assentos e suas ressignificações mostram “a beleza de trabalhar com a arte, a espontaneidade. O que há de mais bonito que tudo isso?”
DANILO THOMAZ / Folhapress