Após críticas, Fazenda revê medidas para facilitar crédito a estados

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após críticas feitas por economistas, o Ministério da Fazenda decidiu reavaliar algumas das medidas anunciadas no fim de julho para flexibilizar a concessão de crédito a estados e municípios.

Uma das principais fontes de temor dos especialistas era a intenção do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) de facilitar a obtenção de notas A, a melhor na classificação de risco do Tesouro Nacional, e permitir que os detentores deste selo contratassem novos financiamentos sem qualquer tipo de limite.

Em entrevista à reportagem, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirma que a proposta deve sofrer ajustes para evitar a concessão desenfreada de empréstimos, algo que poderia interferir inclusive na condução da política de juros do Banco Central, diante do risco de forte ampliação de gastos nos governos regionais.

“Se muita gente for A, pode ter um descontrole da própria política monetária. Perde um pouco do controle nesse processo de operação de crédito e pode ter um avanço muito rápido do endividamento”, disse Ceron.

O secretário ressalta, porém, que permanece a intenção de criar algum mecanismo que incentive mais estados a buscarem a nota A, o que pode incluir uma priorização desses entes na concessão de novos empréstimos com garantia da União.

“Melhor criar uma priorização em relação ao limite global. Algum tipo de coisa nessa direção nos parece fazer algum sentido”, afirmou.

Segundo ele, diferentes sugestões feitas por meio de uma consulta pública estão sendo analisadas pelo Tesouro Nacional para se chegar a um desenho final, que ainda precisará ser validado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda).

“Recebemos muitas contribuições nesse sentido, de que para manter o controle mais global e criar o incentivo, você poderia fazer só uma priorização [dos estados com nota A]. Criaria o mesmo benefício sem ter o risco de perder o controle do processo. É algo que a gente está ponderando e que pode, sim, vir a ser uma alteração no sentido de aprimorar a proposta”, diz Ceron.

“Me parece razoável que se crie esse incentivo para alguém querer ser A e, sendo A, ter mais acesso a esse canal de financiamento. E, se deixar de ser A, aí não vai ter mais margem a partir do ciclo seguinte. Vai ter um estímulo a continuar sendo A”, acrescenta.

A classificação em questão é a chamada Capag (capacidade de pagamento), atribuída pelo Tesouro Nacional como um termômetro da saúde das contas dos entes subnacionais.

A nota é calculada a partir da análise de três indicadores: endividamento, poupança corrente (o quanto as despesas comprometem as receitas) e índice de liquidez (uma medida do caixa disponível para honrar as obrigações contratadas). A escala vai de A a D.

Apenas estados e municípios com notas A ou B podem contar com a União como fiadora em seus empréstimos. Isso é vantajoso porque garante uma taxa de juros mais barata, por exemplo, do que aquelas obtidas por estados C ou D –que precisam se financiar sem aval do Tesouro Nacional.

Além de observar a Capag, os estados e municípios só podem contratar operações de crédito até o limite estabelecido anualmente pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Neste ano, o teto era de R$ 16 bilhões para contratos com e sem garantia da União, mas foi rapidamente esgotado. No fim de agosto, a Fazenda anunciou a ampliação do valor em mais R$ 12 bilhões.

Como os limites são comuns a todos os estados que se enquadram nos critérios, não existe uma grande diferença entre ser A ou B em termos de benefícios. Esse diagnóstico foi um dos propulsores do pacote lançado pelo governo em julho.

O plano inicial anunciado pela Fazenda previa duas medidas relevantes. A primeira era facilitar a concessão da nota A por meio de um critério alternativo. Em vez de ter uma poupança corrente de 15%, o ente poderia ter um comprometimento maior de suas receitas, desde que o saldo de caixa livre seja equivalente a 7,5% da RCL (receita corrente líquida).

Uma vez alçados ao topo, os estados e municípios poderiam contratar operações fora do teto estabelecido pelo CMN.

Na prática, eles teriam sinal verde para se endividar sem qualquer limite. Ainda que os novos financiamentos levassem a uma deterioração fiscal e à perda da nota A, isso ocorreria apenas no exercício seguinte, quando o estrago já estaria feito.

Segundo o próprio governo, a mudança proposta beneficiaria estados como Ceará, Bahia, São Paulo e Paraná e mais de 400 municípios, incluindo as capitais Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador e Curitiba.

A medida acendeu um alerta entre especialistas, sobretudo diante do histórico de crises nos estados e municípios que tiveram justamente na concessão desenfreada de crédito o principal combustível.

Durante o governo Dilma Rousseff (PT), uma portaria do Ministério da Fazenda dava ao chefe da pasta o poder de afastar vedações e conceder garantia da União a quem já estava em péssimas condições financeiras. O instrumento serviu para irrigar estados com notas C ou D com R$ 73 bilhões (em valores históricos) entre 2012 e 2014.

O Rio de Janeiro foi um dos principais beneficiados. Anos depois, em 2016, começou a atrasar salários e deu um calote bilionário em empréstimos, o que obrigou a União a arcar com as obrigações. O episódio inclusive foi o ponto de partida para a formulação do RRF (Regime de Recuperação Fiscal).

As medidas foram submetidas a consulta pública por um período de 30 dias. Segundo Ceron, a experiência foi importante para colher impressões.

“Acho que foram boas contribuições. Provavelmente vai ter ajustes em relação a isso [concessão de crédito para entes com nota A], mas é saudável a gente buscar rediscutir as coisas”, diz o secretário.

Ceron acrescenta que discorda das críticas de que as medidas podem servir de gatilho para uma nova crise dos estados. Para ele, o governo dá uma importante sinalização ao se mostrar disposto a ouvir as sugestões dos especialistas e analisar alterações.

“Estamos nesse processo de depuração. Não é que a gente tomou a decisão, foi publicado e acabou. A gente abriu o debate. Acho mesmo importante. Às vezes o país não está acostumado a debater as coisas. Sem problema de aprimorar”, afirma.

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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