SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Coreia do Norte anunciou, nesta quinta-feira (17), que a Assembleia Nacional do país emendou a Constituição para definir a vizinha do Sul como um “Estado hostil”, seguindo um pedido do ditador Kim Jong-un.
A informação pode parecer pouco inédita, dado o nível de rivalidade entre os dois países desde a Guerra da Coreia que, por sinal, não acabou oficialmente, apenas foi congelada por um armistício em 1953. A medida, no entanto, representa uma mudança de paradigma.
Em 1991, décadas após o conflito que separou a península entre o Norte comunista e o Sul capitalista, um acordo deu status especial aos laços entre os dois países. As relações entre ambos deixaram de ser do guarda-chuva dos respectivos Ministérios das Relações Exteriores e passaram a ser controladas por agências e pastas específicas que vislumbravam uma futura reunificação pacífica.
Essa postura, que colocava moradores de ambos os países sob a mesma identidade nacional, vinha sendo abandonada pela Coreia do Norte nos últimos anos até chegar ao ponto crítico divulgado desta quinta. A medida foi ordenada por Kim em janeiro deste ano, durante um discurso à Assembleia Popular Suprema, o Legislativo de fachada do país.
Em sua fala, o ditador disse que a reunificação pacífica era impossível e que a Constituição deveria ser emendada para incluir a intenção de ocupar a Coreia do Sul em caso de guerra e abolir o uso do termo “compatriotas” para se referir aos habitantes do país vizinho.
Na época, especialistas afirmaram que as mudanças poderiam facilitar a justificativa de possíveis ataques à Coreia do Sul, incluindo com as armas nucleares que Pyongyang mantém a despeito da proibição do Conselho de Segurança da ONU.
Um eventual ataque do tipo, porém, é improvável devido à inferioridade do arsenal nuclear da Coreia do Norte em relação ao dos Estados Unidos país do qual Seul tem se aproximado cada vez mais. Enquanto a nação asiática tem 50 ogivas estocadas, Washington mantém 1.770 ogivas operacionais e 1.938 estocadas, de acordo com a Federação dos Cientistas Americanos.
De qualquer modo, as recentes transformações fortalecem a retórica bélica da ditadura. Há duas semanas, Kim voltou a fazer ameaças com armas nucleares em resposta a uma declaração do presidente sul-coreano, Yoon Suk Yeol.
“Se a Coreia do Norte tentar usar armas nucleares, enfrentará a resposta resoluta e avassaladora de nossas Forças Armadas e da aliança Coreia do Sul-EUA. Esse dia será o fim do regime norte-coreano”, afirmou Yoon no começo de outubro. “Se o inimigo, tomado por extrema tolice e imprudência, tentasse usar suas Forças Armadas para violar a soberania do país, a Coreia do Norte usaria sem hesitação todas as forças ofensivas que possui, incluindo armas nucleares”, teria respondido Kim, segundo a mídia estatal norte-coreana, dias depois.
Desde o discurso na Assembleia em janeiro, agências que trabalhavam para a reunificação foram fechadas, e Pyongyang instalou minas terrestres, barreiras antitanque e mísseis com capacidade de transportar ogivas nucleares na área da fronteira.
A mudança na legislação foi aprovada pela Assembleia na semana passada. A mídia estatal, porém, não havia relatado tal movimento até esta quinta, gerando especulações sobre um possível adiamento da emenda constitucional.
Trata-se da segunda ruptura com Seul da semana. A primeira foi mais concreta, no entanto na terça (15), Pyongyang explodiu as principais rodovias que ligavam seu território à Coreia do Sul, consolidando a separação física entre os dois países.
A Coreia do Norte justificou a medida citando o lançamento de panfletos sobre a capital desta vez, o regime disse ter “evidências claras” de que o Exército sul-coreano é responsável pela ação, algo que o Seul negou inicialmente e depois deixou de comentar.
Os lançamentos de propaganda na Coreia do Norte, normalmente realizado por ativistas sul-coreanos, foram o pivô de uma longa troca de provocações entre os dois países ao longo deste ano, após Pyongyang decidir devolver os materiais ao território sul-coreano por meio de balões carregados com lixo e fezes.
Redação / Folhapress