SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A aposentadoria do desembargador José Benedito Franco de Godoi, da 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo, pode embaralhar mais ainda a disputa entre J&F e Paper Excellence pelo controle da Eldorado Celulose. A briga se arrasta na Justiça desde 2018.
Esse é apenas mais um desentendimento em potencial entre as duas empresas. Elas também divergem sobre a designação de um deputado português para participar da arbitragem e sobre a possível convocação de mais um desembargador para o caso.
Em 2017, a Paper Excellence, braço brasileiro de conglomerado indonésio, fechou contrato para adquirir o controle acionário da Eldorado por R$ 15 bilhões, incluindo mais R$ 7,5 bilhões em dívidas. Mas a J&F, holding controlada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, não transferiu seus 50,59% das ações para a compradora, argumentando que não havia sido cumprido todo o determinado em contrato. A multinacional contesta.
A J&F é acionista majoritária da JBS, a maior produtora de carnes do mundo.
O acordo previa que eventuais divergências fossem definidas em uma arbitragem. Isso aconteceu e a Paper venceu por 3 a 0. A J&F entrou com pedido de anulação. Afirmou que todo o processo foi viciado. Apontou conflito de interesses de árbitros e hackeamento de milhares de e-mails, o que comprometeu sua defesa.
Franco de Godoi, o relator do pedido da J&F para anular a arbitragem, completa 75 anos em fevereiro do próximo ano. Por causa da idade, terá de se aposentar. Em seu despacho, ele descartou o pedido da J&F e votou que as ações devem ser repassadas para a Paper. Mas não apenas isso.
O desembargador também opinou ter havido litigância de má-fé da J&F porque, segundo ele, a empresa alterou a verdade dos fatos em juízo; procedeu de forma temerária ao longo do processo, provocando frequentes recursos apenas para protelar a decisão, levantou tese de hackeamento sem apresentar elementos de que tenha acontecido e colocou suspeita sobre árbitro com base no que o relator avaliou ser um trabalho corriqueiro de advocacia.
Alexandre Lazarini, o segundo a votar, seguiu a opinião de Franco de Godoi. O desembargador Eduardo Nishi pediu vistas no final do mês passado.
Se ele concordar com os votos dos colegas, a Paper terá vencido por 3 a 0. Mas se tiver posição diferente, um ou dois desembargadores serão chamados para votar (alguém precisa ter três votos para ganhar a causa). E aqui pode ser aberto um novo flanco de batalha entre as duas empresas.
Com a aposentadoria de Franco de Godoi, outro relator será nomeado. Se Nishi não votar favorável a Paper, evitando que a decisão seja unânime, a J&F poderia apresentar embargos que seriam analisados pelo novo desembargador, alguém sem o histórico de decisões contra a holding do Batista, como tem Franco de Godoi. O escolhido poderia, segundo advogados ouvidos pela reportagem, mudar seu voto. Advogados envolvidos no caso, ouvidos pela reportagem, afirmaram não ser uma ocorrência comum, mas possível de acordo com argumentos apresentados pela J&F.
A Paper acreditava que Nishi apresentaria rapidamente seu parecer, já que o prazo entre os despachos de Franco de Godoi e Lazarini foi de uma semana. Para a J&F, é natural a demora porque se trata de um processo de 36 mil páginas e ele foi chamado para atuar no caso apenas porque um dos desembargadores da 1ª Câmara de Reservada de Direito Empresarial se declarou impedido para participar do caso.
Em dezembro, o Tribunal entra em recesso de final de ano e deve retornar apenas no fim de janeiro.
A J&F contesta a atuação dos participantes no processo de arbitragem que deu vitória à Paper, especialmente Anderson Schreiber. Apontam que ele dividiu local de trabalho com advogado do escritório Stocche Forbes, um dos contratados para defender a multinacional.
Schreiber pediu afastamento do processo de arbitragem (mas seu voto continua válido) e o debate agora é sobre possível indenização a ser paga pela J&F. A Paper escolheu o português Paulo Motta Pinto para substituí-lo. A holding brasileira pediu o impedimento dele sob alegação de que se trata de um deputado federal e, por ser político, não pode ser visto como imparcial.
Franco de Godoi e Lazarini voltaram a descartar os argumentos da J&F e disseram não haver nenhum impedimento. Nishi não deu o 3 a 0 para a Paper. Em vez disso, votou pela extinção do processo sem analisar o mérito. Segundo ele, o assunto só pode ser analisado após a decisão final da arbitragem, não antes.
Pelas regras do tribunal, o desembargador mais antigo teria de ser chamado para votar. Esse seria Ricardo Negrão, que no momento está em férias.
Há uma briga de bastidores neste aspecto, já pensando no futuro do processo de anulação. A Folha de S.Paulo apurou que os advogados da J&F exigiram que Negrão fosse o escolhido, nem que seja preciso esperar sua volta. Ele retorna do período de descanso nesta segunda-feira (30), de acordo com a assessoria do TJ-SP.
Segundo pessoas da empresa, é uma questão de histórico do desembargador, que já votou por anulações de arbitragem no passado por detalhes considerados por ele mais insignificantes do que os apresentados na briga contra a Paper.
Se Negrão for chamado para dar parecer sobre a presença de Motta Pinto, ficará vinculado ao processo principal, de anulação completa da arbitragem. E se um novo desembargador for necessário para votar no assunto, ele seria automaticamente convocado.
ALEX SABINO / Folhapress