SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aposentados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) podem ser vítimas do golpe da revisão da vida toda. Os segurados estão recebendo cartas de escritórios, associações e empresas de cálculo sobre a correção, aprovada em dezembro pelo STF (Supremo Tribunal Federal), mas que está parada na Justiça aguardando novo julgamento.
A reportagem teve acesso a duas dessas cartas. Elas contêm erros sobre a revisão e, além disso, causam sensação de urgência no aposentado, com prazo para que ele apresente os documentos e aceite entrar com processo contra o INSS.
As correspondências podem levá-los a serem vítimas de fraudadores. Isso porque a revisão da vida toda é uma ação judicial que beneficia um grupo específico de aposentados, por ser limitada. Além disso, só tem direito a ela quem se aposentou nos últimos dez anos, desde que seja pelas regras anteriores à reforma da Previdência de 2019.
A vantagem da revisão é a inclusão de salários em outras moedas no cálculo da aposentadoria. No entanto, apenas quem tinha alta remuneração antes de 1994 data de início do Plano Real é beneficiado.
Para a advogada Adriane Bramante, presidente do IBDP (Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário), essas correspondências são “um absurdo”. Ela diz para o cidadão não procurar nenhuma dessas empresas. “O ideal é não procurar a empresa que mandou a carta e sim um advogado de confiança, que seja especialista em direito previdenciário.”
Uma das cartas enviadas a uma aposentada da zona leste diz que quem se aposentou entre 2013 e 2023 tem direito à revisão da vida toda, mas omite o fato de que a reforma da Previdência de 2019 mudou as regras de cálculo do benefício e, se a renda previdenciária foi liberada depois, com as novas normas, não cabe a revisão.
Para atrair a segurada, a correspondência afirma que será realizada uma palestra, em data específica, na sede da empresa, na região central da capital paulista. O documento pede ainda que ela compareça ao local com os documentos pessoais e comprovante de endereço. Há ainda dois números de WhatsApp.
Em outra carta, recebida por um aposentado da zona oeste da capital paulista, os golpistas dão 48 horas para o cidadão ir até o local com seus documento pessoais, o número do benefício do INSS e a carta de concessão da aposentadoria.
O documento afirma ainda que o segurado terá direito a valores retroativos de até cinco anos antes da data de entrada da ação. No entanto, dependendo da data que for definida como marco da revisão, se do julgamento do STF, em dezembro de 2022, ou da decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), em dezembro de 2019, pode ser que o aposentado não receba por todo esse período, caso haja limitação.
Adriane pondera que o maior problema, neste caso, é o segurado enviar seus dados pelo WhatsApp, embora a empresa já conseguiu informações sigilosas pessoais de forma ilícita.
“Não sabemos como conseguem os dados dos segurados, mas certamente não é correto o acesso às informações sem autorização dele, já que temos a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], que garante a ele o direito de ter resguardados seus dados pessoais”, diz.
Tonia Galleti, advogada do Sindnapi (Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos), afirma que há possibilidades de o segurado ter direito, mas, com abordagens como essa, não há como confiar no local.
“O que está equivocado é o acesso dessas empresas às informações dessas pessoas. A gente sempre recomenda que, no caso específico de revisão, o aposentado procure um advogado previdenciarista de sua confiança ou um sindicato da categoria para não cair em nenhuma armadilha”, afirma.
Tanto Tonia quanto Adriane explicam que essa é uma revisão que necessita de cálculos, que podem ser cobrados, desde que sejam feitos por entidade séria. “Não antecipe nenhum pagamento sem saber se tem direito à revisão. Caso cobrem os cálculos, confira se o local é idôneo”, alerta Adriane.
“Muitos escritórios cobram valor antecipado e não há nenhuma ilegalidade nisso, porque é bem trabalhoso, mas é preciso tomar cuidados com essas empresas [que enviam correspondências]. A maioria delas não é de advogados e atuam captando essa clientela”, diz Tonia.
QUEM TEM DIREITO À REVISÃO DA VIDA TODA?
Tem direito à revisão da vida toda o segurado que se aposentou nos últimos dez anos, desde que seja com as regras anteriores à reforma da Previdência, instituída pela emenda 103, em 13 de novembro de 2019. É preciso, ainda, que o benefício tenha sido concedido com base nas regras da lei 9.876, de 1999.
A correção, no entanto, é limitada e compensa apenas para quem tinha altos salários antes do início do Plano Real. Trabalhadores que ganhavam menos não terão vantagem. A revisão surgiu após erro da reforma da Previdência de 1999, que garantiu regras melhores a novos segurados em detrimento de quem já pagava o INSS.
COMO ESTÁ O ANDAMENTO DA REVISÃO NA JUSTIÇA?
Os processos que tratam da revisão da vida toda estão parados no Judiciário de todo o país desde o final de julho, após decisão do ministro Alexandre de Moraes, que acolheu parte do pedido da AGU (Advocacia-Geral da União) nos embargos de declaração. O ministro determinou a suspensão até que o novo julgamento seja concluído. O INSS tenta limitar o alcance da decisão.
Moraes, relator do caso, apresentou seu voto e limitou a aplicação da revisão. Para o ministro, devem ser excluídos da revisão benefícios extintos e aqueles que já transitaram em julgado. Além disso, a data que marca a correção é 1º de dezembro de 2022.
Ele negou, no entanto, a inclusão do divisor mínimo no cálculo e o pedido do INSS para que a data de referência fosse 13 de abril, quando houve a publicação do acórdão, e reafirmou ser de até dez anos o prazo para pedir a correção.
A ministra Rosa Weber antecipou seu voto na ação da revisão da vida toda e delimitou uma nova data de referência para o julgamento da correção na Justiça.
Rosa, que irá se aposentar em setembro, divergiu em partes do voto do relator, Alexandre de Moraes. Segundo ela, a data de referência da revisão é 17 de dezembro de 2019, e não 1º de dezembro de 2022, quando Supremo aprovou a medida.
O novo julgamento da correção está parado no STF, após o ministro Cristiano Zanin pedir vista. Ele tem até 90 dias para devolver o processo, caso contrário, uma nova data de análise do caso será marcada.
CRISTIANE GERCINA / Folhapress