SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Troquei uma refeição por mate cozido e preciso de ajuda para comprar remédios, enquanto o presidente tenta nos convencer de que a vida melhorou. No fim, a ‘casta’ que Javier Milei dizia combater éramos nós?”, questiona o aposentado Adrián Luque, 78.
Em setembro, ele e outros manifestantes entraram em confronto com as forças de segurança do lado de fora do Congresso da Argentina, após deputados votarem pelo bloqueio do aumento dos benefícios.
Foram 153 votos a favor do aumento e 87 contrários, mas o resultado ficou abaixo dos dois terços necessários para aprovação do projeto de lei. A proposta já havia sido vetada previamente pelo presidente, sob a alegação de que ela colocaria o equilíbrio fiscal em risco.
Segundo cálculos do Iaraf (Instituto Argentino de Análise Fiscal), o descontentamento não é injustificado, já que os aposentados e pensionistas pagaram 29% do ajuste feito pelo governo ultraliberal no primeiro semestre.
Em junho ocorreu o sexto mês consecutivo de superávit fiscal do governo. No acumulado dos seis primeiros meses de 2024, a economia foi equivalente a 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto) anual do país.
A contribuição dos aposentados se deu pela falta de correção de benefícios, que não acompanharam a disparada dos preços nos primeiros meses de governo.
Nesse período, 14 dos 16 gastos do governo caíram em termos reais (já considerada a inflação), o que resultou em um corte de 32% dos gastos primários (excluídos juros da dívida).
As aposentadorias e pensões representam 36,5% do gasto primário. O país tem cerca de 6,8 milhões de aposentados e pensionistas, com benefícios contributivos.
“A maior parte do ajuste é paga pelos aposentados, mas toda a sociedade está pagando por ele, com menos bens de consumo e investimentos, devido à recessão que provocou a desvalorização e a queda da renda”, diz Guillermo Oglietti, subdiretor do Celag (Centro Estratégico Latino-americano de Geopolítica).
Segundo o Gabinete de Orçamento do Congresso, os aposentados perderam 29,2% do poder de compra, em média, nos primeiros sete meses do ano, ante o mesmo período de 2023.
À reportagem, o Ministério da Economia rebateu as críticas de que os aposentados teriam bancado o ajuste e disse que as aposentadorias sem bônus (bonificações para amortecer a perda do poder de compra, sobretudo dos que ganham o mínimo) cresceram acima da inflação.
O governo afirma que elas tiveram variação nominal de 113,3% de dezembro a agosto, enquanto o IPC (Índice de Preços ao Consumidor) variou 94,8%.
Segundo Oglietti, no entanto, a justificativa esconde um truque: “Não houve recomposição justamente dos bônus que os aposentados recebiam, ou seja, de uma parte discricionária [não obrigatória] da renda deles e que faz mais diferença para quem ganha menos. O ajuste recaiu principalmente sobre os mais pobres. Mais injustiça social, impossível.”
Um cálculo do Celag aponta que, em oito meses, a perda acumulada da aposentadoria mínima é de cerca de $ 704 mil pesos (R$ 4.062, na cotação oficial) durante o choque de Milei.
Ter alcançado o superávit é uma das principais bandeiras do governo do ultraliberal ao lado da desaceleração da inflação, estacionada na casa dos 4% por quatro meses e de 3,5% em setembro.
Enquanto isso, nos seis primeiros meses de 2023 (ainda durante o governo de Alberto Fernández), o déficit fiscal foi equivalente a 1,7% do PIB. O peronista, aliás, colecionou déficits em todos os meses do ano passado que ele governou.
Para o economista e aliado de Milei José Luis Espert, o ajuste não está sendo aplicado sobre os aposentados, que estariam em uma situação “cada vez melhor”.
“Estamos saindo do subsolo, ainda estamos abaixo do térreo e isso vale para toda atividade econômica”, disse em discurso o agora deputado.
Nas últimas semanas, o governo apresentou um Orçamento austero para 2025, retirando subsídios e aumentando custos de gás, água e eletricidade.
Apesar de apoio do mercado, o ajuste afetou a economia, eliminou empregos e aumentou a pobreza. Milei, que manteve popularidade mesmo com os cortes, agora vê seu apoio diminuir.
DOUGLAS GAVRAS / Folhapress