Arábia Saudita recebe Copa para mostrar como lida com suas contradições

RIO DE JANEIRO, RJ E SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Até 2019, nenhum estrangeiro podia entrar na Arábia Saudita para turismo. Só eram emitidos vistos para a peregrinação anual do Hajj -os muçulmanos devem, ao menos uma vez na vida, visitar as cidades sagradas de Meca e Medina.

Em cinco anos, o país se abriu para o mundo e, em 2034, vai receber a Copa do Mundo. Nos próximos dez anos, o desafio saudita será mostrar ao planeta como estão lidando com suas próprias contradições.

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PROIBIÇÃO AO PÚBLICO LGBTQIA+

Pelas leis muçulmanas, somente relacionamentos heterossexuais são permitidos. Isso torna ser gay na Arábia Saudita um crime. Perguntados sobre como é possível um país com restrições tão fortes receber um evento global, os chefes da candidatura disseram que há, no país, a cultura de não interferir na vida privada desde que não ocorra manifestação pública.

“Em 2016, lançamos nosso projeto de futuro, a Visão 2030, que criou objetivos em muitas áreas. Essa é a nossa referência. O objetivo é criar um país aberto. Quando você fala sobre a comunidade LGBTQIA+, nós respondemos que recebemos 27 milhões de turistas ano passado. Nos últimos cinco anos, 3 milhões de pessoas entraram na Arábia Saudita para assistir a mais de 100 eventos esportivos internacionais. Nós respeitamos a privacidade dessas pessoas. E eles aproveitaram seu tempo aqui e vieram de novo. O aprendizado é esse”, disse Hammad Albalawi, chefe da candidatura saudita.

RESTRIÇÃO ÀS LIBERDADES DAS MULHERES

Outro ponto importante da cultura saudita é que, até o lançamento da Visão 2030 (um plano de modernização econômica, tecnológica e cultural do país criado em 2016), mulheres não podiam dirigir e precisavam de permissão de um homem da família para trabalhar. Hoje, as restrições ainda existem, mas foram muito amenizadas.

A Liga Profissional de Futebol saudita, por exemplo, mantém um projeto esportivo para meninas de 8 a 15 anos que já formou centenas de mulheres para o futebol local. Além disso, os clubes sauditas mantêm times femininos profissionais e os salários possibilitam que as mulheres vivam do esporte.

“Na Europa, onde eu joguei, às vezes você era jogadora profissional, mas para viver precisava trabalhar na lojinha do clube ou dar aula para crianças. Aqui, se você é profissional, você vive como profissional”, explicou Tatiana Khalil, ex-jogadora que foi capitã da seleção do Líbano e hoje é coordenadora de um dos centros de treinamentos regionais femininos sauditas, na cidade de Jeddah.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE IMPRENSA

Segundo a Human Rights Watch, o governo saudita “realizou prisões de dissidentes pacíficos, acadêmicos e ativistas de direitos humanos, e sentenciou pessoas a décadas de prisão ou a penas de morte por publicações em redes sociais.” Questionados sobre isso, as autoridades sauditas admitiram problemas e falaram em trabalhar para resolvê-los.

“Sabemos que, como um país, temos problemas. A diferença é que admitimos nossos problemas muito antes do que os outros e começamos a consertar essas coisas antes que qualquer outra pessoa de fora da Arábia Saudita as apontasse novamente. Por quê? Porque estamos mudando para nós mesmos, não para agradar a ninguém”, falou Ibhahim AlKassin, secretário-geral da candidatura.

EXPLORAÇÃO DO TRABALHO DE IMIGRANTES

Como aconteceu para a Copa do Mundo de 2022, no Qatar, a grande maioria da mão de obra que será usada para a construção dos estádios (serão 11 novas arenas para 2034) é formada por imigrantes de baixa remuneração. Para entrar no país, os vistos são emitidos pelo sistema Kafala, que cria situações de exploração que já foram comparadas a trabalho escravo.

Dentro da Visão 2030, os sauditas prometem avanço nos direitos sociais. A principal mudança deve ser a criação de um código civil em linha com o que existe no ocidente. O príncipe Mohamed bin Salman, a principal figura dessa modernização do país, prometeu o código em 2021, mas a iniciativa ainda não saiu do papel.

RELATÓRIO DA ANISTIA INTERNACIONAL TRAZ ALERTA

Boa parte dessas críticas faz parte de um relatório da Anistia Internacional sobre as sedes da Copa do Mundo. O documento foi publicado em novembro:

“Para a Copa do Mundo de 2034, os riscos pendentes são mais graves e a probabilidade de violações generalizadas dos direitos humanos na Arábia Saudita – para trabalhadores, torcedores, jornalistas, residentes, jogadores e ativistas – é extremamente alta. A estratégia de direitos humanos fornecida pela SAFF não começa a abordar o escopo e a escala das reformas necessárias para evitar que o torneio de 2034 cause ou contribua para violações graves, e claramente não atende aos critérios de direitos humanos da FIFA. Sem mudanças, vozes críticas serão reprimidas, torcedores enfrentarão discriminação e trabalhadores sofrerão exploração. Pessoas morrerão.”

FIFA ESPERA “MELHORIAS SOCIAIS, IMPACTOS POSITIVOS NOS DIREITOS HUMANOS”

“Estamos cientes das críticas e temores. Confio plenamente em nossos anfitriões para abordar todos os pontos em aberto e espero que eles realizem torneios que atendam às expectativas do mundo. É isso que esperamos e esperamos: melhorias sociais, impactos positivos nos direitos humanos. O mundo estará observando e é positivo que os holofotes da Copa do Mundo estejam voltados para o que pode e deve ser melhorado, para que isso possa ser abordado de maneira eficaz e possamos ter mudanças reais e duradouras”, disse Gianni Infantino, presidente da Fifa.

RODRIGO MATTOS E BRUNO DORO / Folhapress

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