Argentino usa IA para simular aparência atual de bebês roubados na ditadura

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O designer Santiago Barros recorreu à inteligência artificial para encontrar uma forma de ajudar na busca de crianças sequestradas na ditadura argentina (1976-1983). Com base em fotos dos pais —muitos dos quais também desaparecidos—, ele faz simulações da aparência dessas pessoas mais de 40 anos depois.

O projeto recebeu o nome de IAbuelas, que junta IA, sigla para inteligência artificial, e a palavra “abuelas” —ou avós em espanhol—, referência às Avós da Praça de Maio, iniciativa de direitos humanos à frente das buscas desde 1977.

No ar há quase um mês, o perfil publicou mais de cem posts, e cada um deles traz dois retratos —um feminino e um masculino— gerados pelo app Midjourney que correspondem a projeções dos netos procurados.

Durante o regime militar, em um processo que ficou conhecido como “apropriação”, centenas de crianças sequestradas junto aos seus pais ou nascidas no cativeiro foram entregues a outras famílias.

Segundo as Avós, ainda há mais de 300 casos não resolvidos, e Barros pretende gerar imagens de todos eles, desde que existam fotografias de ambos os pais das crianças raptadas. O designer já concluiu as simulações das pessoas nascidas em 1976 e, agora, tem publicado retratos de casos relativos a 1977.

Com trajetória na militância política, ele aproveitou pesquisas que fazia sobre inteligência artificial para ajudar a divulgar o trabalho das avós. “O projeto tem mais esse fim do que a produção de retratos iguais às pessoas que estão sendo buscadas, mesmo porque não tem jeito de saber isso”, diz ele à Folha. “Nem todos os filhos se parecem com seus pais, não teria muito sentido [querer] que os resultados fossem certeiros. Não é uma ferramenta científica. É mais um exercício visual, de denúncia, de memória.”

Barros, porém, chegou a fazer testes para contrapor imagens geradas pelo app e retratos reais de pessoas que já tiveram sua identidade recuperada. Os resultados foram variados. “Alguns se parecem mais, e outros, menos. Em geral, parecem pessoas que compartilham traços ou pertencem à mesma família.”

Ele tem recebido diversas mensagens de apoio e agradecimento, e ao menos oito seguidores já o procuraram para dizer que têm dúvidas sobre sua identidade. A essas pessoas Barros repassa os canais de contato das Avós da Praça de Maio, responsáveis por dar início a uma possível investigação.

Se necessário, o caso é encaminhado à Justiça ou à Comissão Nacional pelo Direito à Identidade, órgão do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, e pode ser levado ao Banco Nacional de Dados Genéticos, que faz testes sanguíneos para verificar se há parentesco com alguma família à procura de netos.

Uma das pessoas procuradas pelas Avós é o irmão ou a irmã de Matías Ayastuy, nascido em 1977, ano em que seus pais foram sequestrados em Buenos Aires. O bebê não foi apropriado, mas depoimentos indicaram que a mãe dele estava grávida ao ser presa e que ela deu à luz entre março e agosto de 1978.

Ayastuy disse ter ficado impressionado com a familiaridade dos retratos gerados por IA. “Não sou de achar pessoas parecidas, mas foi muito forte ver essas imagens, porque há uma semelhança inegável comigo e, mais, o retrato feminino, de uma possível irmã, parece muito com uma prima paterna.”

Para ele, o projeto é mais uma ferramenta que ajuda a difundir a discussão sobre identidade e memória no país. “É uma iniciativa particular, não das Avós, mas que contribui com sua luta e se soma a tantas outras estratégias desenvolvidas pelos movimentos de direitos humanos em mais de 40 anos.”

BEATRIZ GATTI / Folhapress

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