Arte erotiza homens gays em excesso, afirma o ator João Côrtes, que estreia peça

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – João Côrtes, de 28 anos, chega a uma cafeteria com um macacão que mais parece um vestido. Adequada ao corpo do homem ou da mulher, a peça é perfeita à indefinição do tempo que fazia no centro da capital paulista. O sol penetrava as nuvens, com a mesma intensidade com que o ator olhava a paisagem. Seus olhos parecem duas azeitonas verdes. “Busco provar a mim mesmo que posso ser protagonista da minha carreira”, diz ele, sentado como um iogue.

Nesses anos de aprendizagem, Côrtes espraia a sua imagem em séries e novelas, na TV aberta e nas plataformas de streaming. Mas, até agora, a indústria do audiovisual não lhe deu um papel de destaque, o que ele atribui às circunstâncias do mercado. Côrtes então decidiu voltar aos palcos, em um monólogo, para ser enfim a estrela do próprio drama.

Apresentado em outubro no Festival Internacional de Teatro de Angra dos Reis, “Invisível” entra em cartaz no Teatro Renaissance. O texto de Moisés Bittencourt conta a história de Eduardo, personagem de Côrtes, que vive um relacionamento tóxico com Michel, seu namorado. Por vezes, o ator faz o papel do vilão, o que se anuncia pela iluminação. Nos mesmos matizes, o tema da masculinidade surge como pano de fundo.

Em casa, Eduardo não teve um bom exemplo. No início da peça, ele conta que via o pai batendo na mãe. As cenas de agressão se transmutariam em seu namoro. Michel não se aceita como homossexual e recrimina o comportamento efeminado do companheiro.

Se atualmente há canais para que mulheres denunciem os abusos dos maridos, pouco se fala sobre a violência doméstica que homens sofrem em relações homoafetivas. “Descobri que a culpa é também um pouco da vítima. A pessoa também se põe nesse lugar e acredita numa mudança no comportamento do agressor”, ele afirma. Do mesmo modo, a encenação busca provocar novos debates na comunidade gay.

De acordo com o artista, há uma saturação de produtos culturais que erotizam o corpo masculino, incitando o desejo do público, normalmente formado por jovens gays, para obter sucesso comercial. “Sou fetichizado pelos homens, de todas as idades, recebo muitas mensagens nas redes sociais, embora não me considere um símbolo de beleza”, diz.

Mas Côrtes também gosta de provocar. Em “Invisível”, ele simula uma relação sexual e, nas redes, ostenta a barriguinha sarada. Como boa parte dos jovens atores, Côrtes enxerga a exposição na internet como um dilema. Afinal, as fronteiras entre a carreira artística e a da influência digital estão cada vez mais borradas.

Pelo Instagram, o artista pode divulgar o seu trabalho para quase 200 mil pessoas. Côrtes rejeitaria, no entanto, ser um influenciador. Ele diz que teria muita dificuldade, porque já sente um cansaço com as demandas das redes. Afirma, de todo modo, admirar quem tem mais disposição para trabalhar na internet, dado o retorno financeiro da atividade.

Côrtes não escapa de sua geração. Foi pelo Instagram que, há quatro anos, resolveu fazer um textão para dizer que se entendia como gay. Ele diz ter pensando muito por que decidiu expor sua vida pessoal na internet, mas acredita ter feito a escolha correta. Em última instância, a publicação, ele diz, foi um gesto de afirmação política.

Além do teatro, o artista pode ser visto em “Rio Connection”, no catálogo do Globoplay. Dirigida por Mauro Lima, a série tematiza o momento em que a máfia italiana usa o Rio de Janeiro como rota do tráfico de heroína para os Estados Unidos. A série é em inglês, mas o desafio de Côrtes, para encarnar o diplomata Alberto Martim, se concentrou no trabalho de pesquisa, para reconstituir a libertinagem do Rio de Janeiro dos anos 1970.

Também no Globoplay estreia neste semestre a segunda temporada de “Encantado’s”, uma série com cara de novela das sete, um degrau acima do naturalismo. Na produção, Côrtes vive Celso Tadeu, que na segunda temporada vai cantar e dançar, como num musical da Broadway, só que num subúrbio fictício no Rio.

Paulistano, Côrtes sempre quis ser artista, o que não foi um problema para o pai, que compõe trilhas para filmes, ou para a mãe, psicóloga. Ele se tornou conhecido em 2013, ano em que protagonizou dezenas de propagandas para operadoras de telefonia. Em dado momento, pensou que não escaparia da pecha de “ruivinho da Vivo”, o que não se confirmou. Ele diz não se incomodar em ser lembrado pelo comercial.

Pelo contrário, afirma ter orgulho do trabalho. Naquele mesmo ano, já teria sua primeira experiência na televisão, participando da série “Três Teresas”, do GNT. Três anos depois, encarnou Giuseppe em “Sol Nascente”, contracenando com Aracy Balabanian e Francisco Cuoco. Côrtes também é lembrado pelo trabalho na série “O Negócio”, que se estendeu por três temporadas na HBO.

Nos últimos anos, emendou filmes, como “Amor.com” e “Ninguém Entra, Ninguém Sai”, e dublagens para filmes infantis. Com tantas ocupações, o teatro, arte que o formou desde o colégio, ficou em segundo plano, sobretudo com a fundação de sua produtora, em 2019. Com a empresa, ele pôde dirigir o filme que criou, “Nas Mãos de Quem Me Leva”, em 2021. “Tive um orgasmo. Gostei muito de dirigir atores”, lembra.

Morando entre São Paulo e Rio de Janeiro, Côrtes passa temporadas nos Estados Unidos, onde faz cursos de dramaturgia. O artista segue uma rotina, alicerçada na meditação e nos exercícios físicos. A volta ao teatro também tem a ver com imagem. “As pessoas me associam à comédia. Eu não quero isso agora. Quero o drama”, diz.

INVISÍVEL

Quando Sáb. e dom. às 20h

Onde Teatro Renaissance – al. Santos, 2.233, São Paulo.

Preço De R$ 50 a R$ 100

Classificação 16 anos

Autoria Moisés Bittencourt

GUSTAVO ZEITEL / Folhapress

COMPARTILHAR:

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTÍCIAS RELACIONADAS