BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Elon Musk entrou de vez na campanha eleitoral alemã. Depois de dizer no Natal que “apenas a AfD pode salvar a Alemanha”, o bilionário usou até Adolf Hitler para afirmar em um artigo de jornal que o partido de extrema direita não é de extrema direita.
O texto, publicado neste fim de semana na versão dominical do Die Welt, um dos principais periódicos do país, provocou intensa discussão interna e pelo menos uma baixa. No X, rede social de Musk, a editora de Opinião, Eva Marie Kogel, escreveu que sempre gostou de seu trabalho até ter de publicar um texto do bilionário. “Apresentei a minha demissão após o jornal ter sido impresso.”
A polêmica rapidamente transbordou para outros veículos de imprensa na Alemanha. Não só pela disputa interna, mas também pelo artigo ser percebido como propaganda eleitoral. O país realizará eleições parlamentares em 23 de fevereiro, e a Alternativa para a Alemanha ocupa a segunda posição nas pesquisas de intenção de voto neste momento.
O próprio conselho editorial do Welt havia alertado a chefia da Redação sobre o problema em reunião no início da semana. Em outro encontro, na sexta-feira (27), vários editores também se posicionaram contra a publicação.
“A Alemanha se tornou muito confortável na mediocridade. É hora de mudanças ousadas, e a AfD é o único partido que abre esse caminho”, diz Musk, no artigo, explicando que se sentia à vontade para falar da política alemã por ter feito “investimentos significativos” no país.
O maior deles é uma fábrica de carros elétricos, a primeira da Europa, nos arredores de Berlim. A unidade da Tesla, que consumiu 5 bilhões de euros (R$ 32 bilhões), convive com protestos de ambientalistas por estar em uma área de floresta.
Maior cabo eleitoral de Donald Trump nos EUA e protagonista de bate-bocas públicos, como o que travou com Alexandre de Moraes no Brasil, o empresário faz uso da cartilha típica da extrema direita em seu artigo, com tom sombrio e apocalíptico, como descreveu a revista Der Spiegel. A Alemanha estaria “à beira do colapso econômico e cultural”, muitos graus acima da real situação de crise que o país enfrenta.
Musk protesta também contra a classificação extremista que o órgão alemão de proteção à Constituição dá à Alternativa para Alemanha. Ele lembra que a líder do partido e candidata a premiê, Alice Weidel, é casada “com uma mulher do Sri Lanka”. “Isso soa como Hitler para você? Por favor”, escreve o bilionário.
Weidel vive há 20 anos com a cineasta Sarah Bossard, que mora na Suíça. A parlamentar, no entanto, diz que não é gay e se posiciona contra o casamento homossexual, uma das tantas bandeiras conservadoras de sua legenda. A contradição é pouco explorada na política pelo fato de se referir à vida pessoal de Weidel, cuidado que Musk dispensou.
Antecipando a polêmica, o novo editor-chefe do Welt, Jan-Philipp Burgard, que assume o jornal no dia 1º de janeiro, publicou também neste sábado (28) um artigo crítico ao bilionário. Para Burgard, a assertiva de que apenas a AfD pode salvar a Alemanha é “fatalmente errada”.
“Musk parece ignorar o quadro geopolítico no qual a AfD quer posicionar a Alemanha”, escreve o jornalista, lembrando que a sigla defende a saída do país da União Europeia. “Isso seria uma catástrofe.”
Burgard diz ainda que os planos de “reimigração” e deportação em massa defendidos pela AfD são xenófobos e um “perigo para a Alemanha”. Kogel, a editora que pediu demissão, usou justamente a chamada do artigo do ex-futuro chefe para anunciar sua decisão.
Die Welt é o chamado jornal de qualidade da Axel Springer, uma das editoras mais importantes da Europa, que também publica o sensacionalista Bild é a dona do site Politico.
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress