SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quem vê os primeiros quadros da exposição “Inácio Rodrigues: Multidões e Silêncios”, na Galeria Berenice Arvani, encara uma mistura de cores vivas, formas e rostos atrás de grades que ocupam grande parte das pinturas.
As obras que integram a série “Encarcerados”, produzida pelo artista nos anos 1960, trazem massas mais ou menos uniformes de indivíduos confinadas atrás de grades, em salas apertadas ou corredores.
Elas também combinam formatos arquitetônicos que se impõem são salas e corredores onde a multidão se espreme por detrás de gradis.
Se os detalhes poderiam evocar individualidade no tom de pele, nas linhas de expressão, roupas e cabelos peculiares de um ou de outro, a atmosfera, no entanto, é uniformizadora.
Imprimindo em imagem uma opressão que se impõe e marca suas vidas de forma permanente, Rodrigues testemunha o apagamento de uma população, encarcerada em prisões ou no esquecimento.
Nascido em Acaraú, no Ceará, em 1946, fez sua primeira mostra individual aos 13 anos. “Nasceu artista”, como diz o texto de Celso Fioravante, curador da coletânea. Sua vasta obra já participou de três Bienais de São Paulo, uma mostra Panorama da Arte Brasileira e integra diversas coleções públicas de prestígio.
“Encarcerados” já foi foi parcialmente exposta nas primeiras individuais de Rodrigues, nas galerias Giro, em 1968, e Goeldi, em 1969, ambas no Rio de Janeiro. Na exposição que fica até 2 de dezembro na galeria dos Jardins, há também obras inéditas.
Uma delas, sem título, de 1969, parece evocar a recém-inaugurada Brasília: contra linhas que lembram os prédios e as curvas Congresso Nacional há engravatado, mas também homens caídos, talvez mortos ou bêbados largados sobre uma calçada.
Foi em homenagem aos trabalhadores que construíram a nova capital, em grande parte vindos da região Nordeste, que o primeiro reitor da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro, batizou o auditório da instituição de “Dois Candangos”. Nos anos 1960, dois trabalhadores foram mortos soterrados por uma parede da construção que desabou.
“Eram dois obreiros humildes, de tantos que vieram de toda a parte edificar Brasília e aqui não puderam ficar”, disse Darcy na posse de seu sucessor Cristovam Buarque. É na Ceilândia, região administrativa do Distrito Federal, que fica a Sol Nascente, que alterna com a Rocinha a primeira posição no ranking de maior favela do Brasil.
Agraciada extensamente pela crítica, a obra de Inácio Rodrigues acumula comentários de nomes como Ferreira Gullar, Antonio Bento, Roberto Pontual e Abdias Nascimento, em seu ensaio “Patéticos prisioneiros da miséria nordestina”.
Também estão na galeria outras fases da produção de Rodrigues. Na série “Paisagens Espaciais”, o artista olha para um futuro de conquista do espaço que se desenhava nos anos 1970. São nuvens e fachos de luz, constelações, paisagens etéreas e uma espécie de monólito no estilo de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick.
Foi com algumas obras desse período que Rodrigues participou das 12ª e 14ª Bienais de São Paulo, em 1973 e 1977; três delas estão na exposição da Galeria Berenice Arvani.
A fase mais recente, “Ecológicas”, protagoniza seu trabalho desde os anos 1980, refletindo tanto a exuberância natural quanto as grandes e pequenas catástrofes que ameaçam a vida, entre nuvens atômicas e nuvens de poluição.
Em qualquer direção que aponte, na inventividade das cores celestes ou na dos rostos fundos de sofrimento, a sensação é de que o olhar de Inácio Rodrigues é ao mesmo tempo inovador e atual.
MULTIDÕES E SILÊNCIOS
– Quando Ter. a sáb., das 11h às 18h. Até 2 de dezembro
– Onde Galeria Bereni Cearvani – r. Oscar Freire, 540, São Paulo – SP
ANA BEATRIZ GARCIA / Folhapress