Artista Renée Green estampa poltronas com imagens de escravizados em fuga

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As poltronas modernistas imaginadas pela artista visual americana Renée Green guardam vestígios de um passado colonial e escravagista. Um observador atento notará que as estampas do mobiliário são mais do que ornamentos.

Elas funcionam, na verdade, como documentos históricos que narram cenas de resistência e sublevação. Na obra, intitulada “Commemorative Toile (Brasil)”, vemos escravizados em fuga e cativos enforcando seus senhores durante a Revolução Haitiana, movimento de independência que ocorreu no século 18.

“Nunca foi realmente dado a essas imagens o peso nem a presença que elas tiveram no passado. O tecido é quase como uma descrição literal do que estava entrelaçado na história”, diz Green, em cartaz com “Aproxime-se: Perceptos” no Auroras, espaço cultural localizado no Morumbi, em São Paulo.

Essa é a primeira mostra da artista no Brasil, país com o qual ela tem uma relação de proximidade desde criança. Ela diz que, aos oito anos, se surpreendeu ao perceber as dimensões continentais do território e o modo como ele era descrito nas enciclopédias. “Diziam que o Brasil era um gigante adormecido.”

O contato dela com o mundo lusófono está presente no curta-metragem “Aproxime-se”. Produzida em 2008, a obra traz reflexões sobre o Brasil e cenas filmadas em Portugal, onde ela decidiu morar no começo da década de 1990 após ganhar uma bolsa de estudos.

“Nessa época, eu estava muito interessada na geografia e na história portuguesa. Também me interessei pelos vestígios do que tinha acontecido nos séculos anteriores, desde o início do que agora é chamado de Portugal.”

Como projeto de pesquisa, decidiu fazer uma viagem de barco de Lisboa para Angola, promovendo a rota marítima que os colonizadores fizeram durante as grandes navegações. No entanto, no decorrer do trabalho, precisou mudar de ideia em razão da guerra civil angolana.

Decidiu então sair de Algeciras, na Espanha, e desembarcar em Ceuta. O território fica no norte da África e foi conquistado por Portugal em 1415, dando início à expansão marítima lusitana. A viagem da artista aconteceu em 1992, quando a chegada de Colombo à América havia completado 500 anos.

“Eu queria examinar isso de um ponto de vista diferente e contemporâneo, partindo da perspectiva de alguém que descende da diáspora”, diz Green, que também se interessa por fluxos e deslocamentos que aconteceram fora do contexto do colonialismo e da escravidão.

“Essas não são as únicas formas como as pessoas viajavam. De forma livre, elas cruzavam os oceanos, indo para diferentes lugares, como a África, a Europa e a Ásia.”

Com mais de quatro décadas de carreira, a artista faz obras em diferentes meios, como pintura, esculturas, instalações e vídeos.

Ela também é conhecida pelos chamados “Space Poems”, ou poemas espaciais. São cartazes fixados um ao lado do outro que trazem frases aparentemente sem relação entre si. No entanto, eles formam uma poesia quando são lidos em sequência.

Quem anda pela exposição em cartaz no Auroras encontrará esses cartazes pendurados no topo das estantes da biblioteca. “Eu os chamo de ‘Space Poems’ porque podem ser pendurados e apresentados de formas diferentes nos lugares”, diz ela, que é professora do departamento de arquitetura do MIT, o Massachusetts Institute of Technology.

Não à toa, sua produção dialoga com a arquitetura, como atesta o vídeo “Comece de Novo, Comece de Novo”, narrado por Derrick Green —vocalista da banda Sepultura e irmão da artista.

O trabalho foi feito em 2015 para uma exposição na Schindler House, casa modernista projetada pelo arquiteto Rudolf Schindler.

O roteiro da produção incorpora elementos de “Arquitetura Moderna: Um Programa”, manifesto escrito por Schindler no começo do século 20. Além disso, o vídeo reflete sobre assuntos como exílio, migração, deslocamento e reinvenção.

O que a artista propõe não apenas com esse vídeo, mas com o resto da exposição, é um exercício radical de abstração. As obras não têm um significado em si mesmas. Cabe ao público construir esses sentidos levando em conta a percepção sobre cada trabalho. Aliás, vem daí o título da mostra.

Na filosofia de Gilles Deleuze, o conceito de perceptos se refere ao modo como a arte reverbera em cada pessoa. “Não estou tentando pregar ou ensinar algo ao público. Estou apenas compartilhando possibilidades para que ele possa ir tão fundo quanto quiser.”

APROXIME-SE: PERCEPTOS

– Quando Sábado, das 11h às 18h. Até 30 Novembro

– Onde Avenida São Valério, 426, Morumbi

– Preço Gratuita

MATHEUS ROCHA / Folhapress

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