SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Foi durante uma cerimônia do candomblé que a rapper e artista visual Ros4, de 28 anos, encontrou o título para a sua mostra atual. “Esse Casco Pode Ter Tudo que Esse Casco Quiser Ter!” aborda a exaltação da identidade travesti e as religiões de matriz africana em autorretratos, músicas e instalações.
A exposição, organizada por Nutyelly Cena, está em exibição na Central Galeria, em São Paulo, até o dia 3 de agosto, e leva o visitante à narrativa sensorial de dez anos de produção da artista, que traz mensagens sobre perseverança e autoafirmação.
Brasiliense, Ros4 construiu sua identidade artística de forma simultânea à identidade de gênero. Aos 17 anos ingressa no curso de história da arte na Universidade de Brasília e desenvolve a vontade de se entender mulher por meio das fotografias.
“Quando eu comecei a fazer os autorretratos, utilizava um celular bem ruinzinho na época, mas eu tive que aprender a subverter a técnica para me expressar”, conta ela.
A mostra é o resgate do trabalho de Ros4 em seu processo de construção como mulher e artista, em uma exibição que a fotógrafa define como o encontro entre o sagrado e o profano.
Feito em concomitância ao disco “R.O.S.4”, de 2024, a exposição tem músicas do projeto como trilha sonora, em um estilo musical que mistura trap e hip hop.
“Traz muito das minhas vivências, mas também tem uma pegada de imaginar novas possibilidades de existência. A fabulação travesti”, afirma.
Na entrada, chaveiros personalizados com a expressão laroyê, a saudação à Exu, aparecem pregados em volta da imagem da capa do disco, formada por uma vela acesa em cima de um salto alto. A arte do álbum está em consonância ao que a exposição transmite.
No centro do espaço expositivo há a representação, em pilastras de madeira, do que já foi uma das moradias de Ros4 quando vivia em situação de vulnerabilidade. Como um pequeno templo, a estrutura é preenchida com uma geladeira e fotos da artista no Reino Unido, vestida de noiva.
“É uma ideia de barraco. Cresci morando em um. E depois, morando sozinha, vivi em um barraco de telha”, conta.
As imagens que preenchem o barraco são da série “The Silent Path”, de 2015. Os autorretratos foram produzidos durante um intercâmbio da artista na Inglaterra.
Em uma delas, Ros4 aparece em frente a uma igreja. Na outra imagem, a artista está deitada em uma caçamba de lixo. “Eu entrei na caçamba e me fotografei porque eu me sentia um lixo na época, sentia que as pessoas tratavam as pessoas trans como lixo, no Brasil.”
Ros4 carrega em sua identidade a luta pelo direito de ser mulher. “Tem muitas pessoas que acham que travesti é ofensa ou que travesti é bagunça. É sobre ressignificar essas palavras, igual as pessoas fizeram com bicha ou com sapatão. Falar, ‘sou sapatão, sim, sou bicha mesmo, sou travesti’. Então, eu me identifico como mulher trans e como travesti, também.”
Na série “Tratamento de Reposição Hormonal Automedicado”, de 2015, Ros4 traz quatro autorretratos em que aparece nua para mostrar as fases da terapia hormonal para a feminilização corporal por conta própria.
“Historicamente, a sociedade impôs que, para você ser uma mulher trans, tem que usar hormônios, fazer uma cirurgia, ter uma vagina, mas eu não preciso tomar hormônios para ser uma mulher”, diz.
A expressão de gênero de Ros4 também é materializada em um pole dance. A fotógrafa diz que antes do pole tinha muita disforia de gênero, mas que o esporte a fez se sentir “uma grande gostosa”, a amar seu corpo antes mesmo de ter silicone nos seios.
O outro mote da exposição, a religiosidade, inunda o ambiente em ondas sonoras e elementos de religiões de matriz africana. Projetado em uma das paredes da galeria, o clipe das músicas “Maria Navalha/Salve Seu Zé” traz a cultura da umbanda e as entidades da religião na gravação de uma oferenda.
A religiosidade também é vista nas oferendas dispostas em frente à estrutura de madeira que alude a um barraco. Em alguidares, que são pratos de barro, com cigarros, moedas e isqueiros, Ros4 monta seu ponto de devoção às entidades que segue.
A fotógrafa faz da arte a representação de si. Próximo ao olho esquerdo, ela tem tatuada a palavra luz, que exprime as ideais da artista e a vontade de usar o próprio talento para iluminar o mundo sobre a diversidade humana e a crença sem preconceitos.
ESSE CASCO PODE TER TUDO QUE ESSE CASCO QUISER TER!
Quando Até dia 3 de agosto. Visistação de segunda a sexta, das 11h às 19h; sábados, das 11h às 17h
Onde Central Galeria – r. Bento Freitas, 306, São Paulo
Preço Grátis
Classificação 18 anos
ÍTALO LEITE / Folhapress