BELÉM, PA(FOLHAPRESS) – Duas avenidas de Belém onde são realizadas obras para a COP30, conferência do clima que ocorrerá em novembro, ganharam estruturas que imitam árvores. Chamadas de “eco-árvores” pelo Governo do Pará, elas são feitas de vergalhões reaproveitados das construções e servem de suporte para plantas trepadeiras.
As instalações ficam nos parques lineares que estão sendo construídos ao longo dos canais das avenidas Visconde de Souza Franco, conhecida como Doca, e Almirante Tamandaré.
Nesta semana, foram apresentadas pela gestão Helder Barbalho (MDB) como “árvores artificiais” em uma reportagem da Agência Pará, ligada ao governo estadual. A iniciativa, desde então, ganhou repercussão e causou polêmica entre ambientalistas, organizações e políticos locais. O texto, posteriormente, foi alterado: as menções a “eco-árvores” e “árvores artificiais” foram substituídas pela expressão “jardins suspensos”.
“O termo inicialmente escolhido não explicava corretamente o que são essas estruturas e ainda levava a um entendimento errado, uma vez que todas as plantas são naturais e crescem apoiadas em uma estrutura feita de material reciclado”, explica uma nota no final da reportagem.
O movimento COP do Povo, um dos que criticaram o projeto, se disse ter recebido a novidade com “incredulidade”. “Em plena amazônia, o governo do estado do Pará resolveu plantar árvores artificiais, para fornecer sombra e ventilação aos participantes da COP30”, criticou nesta quinta-feira (27).
“Centenas de alternativas poderiam ser encontradas para tal tarefa, bastava consultar as comunidades tradicionais e os povos originários da região, mas isso não foi feito”, escreveu também o grupo composto por organizações de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, extrativistas e agricultores familiares.
A arquiteta Naira Carvalho, da Seop (Secretaria de Estado de Obras Públicas), autora do projeto, afirma que “a ideia surgiu devido à necessidade de sombreamento e a não disponibilidade de solo para plantio”.
“Precisamos adaptar a maneira de arborizar o parque, inspirados em projetos de Singapura. Reaproveitar, reutilizar, reciclar e repensar é mais que uma tendência. É obrigação de todos nós que pensamos em sustentabilidade, e entendo que essa obrigação está inteiramente vinculada ao evento da COP”, diz na reportagem da Agência Pará.
A Folha de S.Paulo solicitou uma entrevista com a arquiteta, mas a secretaria preferiu apenas emitir uma nota. Nela, a Seop explica a escolha pelos “jardins suspensos”, afirmando que “a [avenida] Doca, originalmente e estruturalmente, não tem solo natural disponível, visto que, desde a década de 1970, a área foi urbanizada no formato de canal retificado, calçadas em concreto e viário em asfalto, com pequenos espaços de canteiros”.
A nota afirma ainda que “os jardins suspensos são montados com a colocação de vasos grandes no centro das estruturas, conforme a necessidade de terra das vegetações”. “A copa será formada pelas vegetações plantadas nos vasos, que se desenvolverão e ocuparão toda a estrutura. Entretanto, para conforto imediato, está sendo programada a implantação de cestaria com plantas naturais até o desenvolvimento final das trepadeiras”, completa.
Além disso, a nota diz que haverá também “árvores naturais” na Nova Doca, como foi batizado o projeto de transformação e revitalização da avenida. “Vale destacar que a Nova Doca tem cerca de 180 espaços estruturados e adequados para receber o plantio de 180 unidades de árvores naturais já adquiridas e algumas já plantadas e que foram consideradas diversas literaturas acadêmicas existentes, tanto locais como internacionais.”
A reportagem perguntou qual será o local de plantio das mencionadas “árvores naturais” na obra da avenida Tamandaré, quais serão as espécies usadas e como é feita a manutenção dos “jardins suspensos”, mas não obteve resposta.
O professor José Júlio Ferreira Lima, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPA (Universidade Federal do Pará), que não tem relação com a obra, afirma que, realmente, não há lugar para o plantio de árvores nas laterais dos canais tanto da Doca quanto da Almirante Tamandaré.
“Na história do urbanismo sanitarista do Brasil, essas laterais se transformaram em ruas, corredores importantes para o sistema de transporte. Realmente, não há espaço para plantar árvores”, explica. “O que pode ser feito é plantar espécies que não têm o porte de árvores, mas que podem cumprir com a exigência de vegetação em um clima urbano”, opina.
Para ele, os chamados “jardins suspensos” não vão ter a mesma função de amenização climática que uma árvore teria. “Mas não acho que seja algo ruim”, completa.
Apesar de considerar que as estruturas ficaram “bonitas”, o engenheiro florestal Rafael Salomão, pesquisador do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém, levanta a questão da “frustração” para os participantes da COP30.
“Muitas pessoas virão porque o evento será realizado na amazônia, daí deparam com árvores artificiais em um bioma com cerca de 16 mil espécies de árvore”, reflete.
Ele, que também não tem relação com a obra do governo estadual, propõe uma alternativa. “A questão das restrições de solo, agronomicamente, a gente resolve. Não existe questão que não se resolva tecnicamente. Poderiam ser usados vasos grandes e bem decorados ou até mesmo caixas dágua pequenas, de 250 ou 500 litros, para plantar árvores de porte baixo.”
Salomão, que lançou no ano passado a publicação “Guia de Seleção de Árvores Ornamentais Paisagismo Urbano para a Amazônia” (Museu Paraense Emílio Goeldi), sugere espécies como ingás e fabáceas.
“Com as árvores artificiais, perdemos o contato com o natural, os pássaros, algo com que a fauna se identifica, as interações, tudo o que se tem no mundo natural”, diz.
OBRAS PARA A COP30
As obras da Nova Doca e da Nova Tamandaré fazem parte da preparação de Belém para receber a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, em novembro. É a primeira vez que o evento acontece no Brasil.
Nos últimos meses, a capital paraense virou um canteiro de obras. Outros grandes projetos em construção são o Parque da Cidade, que sediará a programação da conferência, ocupando uma área de 500 mil m2, onde funcionava o Aeroclube de Belém, e o Porto Futuro 2, que abrigará, em armazéns revitalizados do antigo porto da cidade, o Museu das Amazônias, o Centro Gastronômico, o Parque de Bioeconomia e a Caixa Cultural.
AUGUSTO PINHEIRO / Folhapress