As mulheres que conquistaram o mundo masculino do porto de Santos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A 28 metros de altura, Juliana tem sensação de poder. É como se estivesse no topo do mundo e tudo abaixo dela fosse pequeno demais.

“Eu sou a pessoa que, se você falar que não sou capaz, aí é que vai me dar vontade de fazer. Todo o mundo é capaz de fazer tudo, só não acredita. Quem está a fim vai lá e faz. Adoro artesanato e se vou fazer laços, tento fazer os melhores. Eu trabalho em uma área bruta, masculina. E no que faço quero ser a melhor”, afirma.

Juliana Sombra Melo, 39, é operadora de guindaste no porto de Santos. Em novembro do ano passado, mês com dados mais recentes disponíveis, o complexo de exportação e importação movimentou 15,7 milhões de toneladas de carga. Segundo os números da Autoridade Portuária, é o maior volume já registrado no período.

Começou a trabalhar em terminais alfandegados em 2007. Iniciou como motorista. Era a única caminhoneira da empresa cujo nome ela prefere não dizer. Quando chegava ao refeitório e sentava à mesa, os homens levantavam e iam embora. Cansou de ouvir perguntas se não tinha louça para lavar em casa.

Viviane Ribeiro, 40, também tem seu arsenal de histórias parecidas. Há 22 anos, foi aprovada no primeiro concurso para a guarda portuária que admitiu mulheres. Um tempo em que a estrutura do porto de Santos não tinha sequer banheiros femininos.

“O começo foi difícil. O ambiente era muito masculino, totalmente não acostumado com mulheres. Era constrangedor. Eu sentia ser um ponto de luz. Por onde passava, todos olhavam. Havia quem achava que éramos bibelôs e logo desistiríamos”, explica.

Ela não desistiu e venceu. Não só se manteve na função como aprendeu a se impor quando necessário. Se antes nunca sequer havia visto um navio de perto, se apaixonou pelo ambiente portuário. Foi algo inesperado para a garota de 18 anos que fazia faculdade de turismo e não sabia o que queria da vida.

Na Autoridade Portuária, entidade que faz a gestão da operação do porto de Santos, são 793 empregados, sendo 123 mulheres.

Empresas que operam na região, como a BTP (Brasil Terminal Portuário), têm 157 mulheres no quadro de funcionários, quase a metade delas em funções operacionais.

Segundo levantamento feito pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), 17% das vagas no setor aquaviário brasileiro são ocupadas por mão de obra feminina. Os dados foram coletados por meio de um questionário respondido por 302 companhias do setor.

“Não tive grandes problemas. Às vezes, tem uma piadinha ou outra, mas a gente aprende a se impor. O cargo que ocupo é de mais contato com treinamento. Se uma mulher dá instruções, ainda pode ouvir comentários. Mas imagine para as mulheres no passado, com aqueles caras das Docas [antiga denominação da administradora do porto]… O cenário era completamente diferente”, afirma Mariela de Oliveira Costa Corrêa, 31.

Hoje analista ambiental, ela é responsável pelo gerenciamento de resíduo, licenças, controles e transição ambiental. Entrou no porto de Santos como estagiária, aos 19 anos.

Quem tem contato com o dia a dia portuário nota mudanças. As empresas não tinham vestiários para mulheres. Algumas delas recebiam as chaves do espaço destinado a homens. Era a única possibilidade.

Todo esse cenário fascinou a fotógrafa Daura Menezes. Ela luta para conseguir recursos, usando a Lei Rouanet, para produzir um documentário sobre a participação feminina no porto de Santos. Até agora, tem batido com a cara nas portas de quem poderia financiar o projeto que custaria, estima, cerca de R$ 60 mil.

“Quando a gente olha para as mulheres no porto, o buraco é mais embaixo. Não tem estrutura, e elas precisam provar não só a capacidade para o cargo mas mostrar o tempo todo que conseguem ‘apesar’ de serem mulheres. Ainda existe essa diferenciação”, diz ela.

Mesmo para conseguir depoimentos, foi difícil convencê-las. Quem trabalha em cargos ligados a operações portuárias temem como serão retratadas e se serão malvistas.

“Preciso que as empresas acreditem no projeto, mas não se trata de levantar bandeira. Não estou fazendo ativismo. Não há viés político. Trata-se de mostrar que existem portos no exterior que preferem mulheres no operacional porque são mais cuidadosas, causam menos problemas. A gente precisa trazer isso para o Brasil”, completa.

Fotógrafa com exposições no exterior, ela considera a possibilidade de buscar uma produtora parceira ou emissora de TV para abraçar o projeto que define como de empoderamento.

É uma descrição que se encaixa bem a Juliana. Ela chegou à Baixada Santista aos 19 anos vinda do Ceará, ao lado da mãe e de cinco irmãos e irmãs. Tirou a carta de motorista, paga por uma delas, para tentar entrar em uma empresa portuária, o que conseguiu.

Foi demitida ao voltar ao trabalho após licença-maternidade. Desafiou o marido, que a ameaçou de separação se ela fosse atuar como motorista de carreta. Ele não só aceitou como a incentiva na função de operadora de guindaste.

“Antes, quando eu dizia o que fazia, meus amigos achavam surreal. Hoje, aceitam melhor”, se diverte com a lembrança.

Nem sempre, no caso de Viviane. Ela diz ter de mostrar sua autoridade em algumas situações, invariavelmente com homens.

“A gente fica forte com isso. Tem de ficar, porque, se não tomar atitude… Guarda portuária faz fiscalização aduaneira. Na área do porto, sou agente de trânsito, posso dar multa. Faço fiscalização operacional com viatura, é bem ostensivo. Um poder de polícia”, explica.

Uma das queixas que permanecem entre elas é a ausência de mulheres em posições de chefia.

“A gente não tem chefe mulher. Teve uma e saiu rapidinho”, constata Viviane.

Mas elas veem também isso como questão de tempo. Com orgulho, acreditam terem sido pioneiras de um movimento, em abrir caminho para quem veio depois. Juliana fica radiante ao se recordar de evento em que sua filha, Eloá, hoje com oito anos, disse querer ser como a mãe.

“Eu me sinto um exemplo. Foi o que sempre quis ser. Eu falava para a minha mãe: eu não sei o quero ser. Só sei que quero ser exemplo.”

ALEX SABINO / Folhapress

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