Ascânio MMM, escultor das formas precisas, tem carreira revista em mostra no MuBE

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Logo na entrada do MuBE, o Museu Brasileiro de Escultura e Ecologia, um cubo guarda em sua superfície nove quadrados brancos vazados, um colocado dentro do outro, como se fossem as camadas de uma cebola. Ao mexermos a composição a partir do centro, ela assume diversas formas, inclusive uma na qual as pontas dos quadrados se tocam de modo a formar uma curva, tipo uma torção.

Esta palavra é o ponto de partida e o conceito que amarra as obras da exposição “Torções”, uma amostra significativa dos 60 anos de carreira de Ascânio MMM que ocupa o museu paulistano a partir deste sábado (23).

São 55 esculturas e instalações, 22 maquetes, 12 desenhos e uma série de fotos antigas e documentos do artista, um expoente da abstração geométrica na América Latina.

No dicionário, torção é definida como a rotação de um órgão em torno de si, o que parece apropriado para entender o trabalho de Ascânio. Ele parte de módulos, como ripas de madeira ou pequenos blocos retangulares do mesmo material e os combina para criar esculturas que se retorcem sobre si mesmas, resultando num efeito de movimento ou dança para quem vê.

Segundo o artista, a ideia dos módulos veio dos prédios do mestre do modernismo Le Corbusier. Além das unidades construtivas, Ascânio afirma que suas esculturas têm também um eixo de sustentação, uma linha que unifica cada peça. Este eixo, seja na vertical ou na horizontal, não é visto pelo espectador, apenas imaginado, embora ele exista materialmente nas obras.

Como se percebe, o artista alia a precisão do cálculo matemático à preocupação estética, fruto de sua dupla formação.

Depois de chegar ao Rio de Janeiro como imigrante vindo de Portugal, em 1959, Ascânio estudou na Escola Nacional de Belas Artes por dois anos antes de migrar para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, na qual se formou.

“Costumo dizer que um curso de artes plásticas não bastaria para mim, a arquitetura tem um peso importante. Se eu tivesse só formação em artes eu não chegaria nisso, porque sou eu quem construo essas peças todas no meu ateliê”, diz o artista, em conversa no MuBE.

Organizada por Francesco Perrota-Bosch, a mostra se divide em dois grandes blocos. O primeiro, do início ao meio do percurso expositivo, reúne esculturas monocromáticas em madeira pintada de branco, executadas entre o final dos anos 1960 e a virada para o século 21.

O segundo traz peças e instalações das últimas duas décadas, um período no qual o artista passou a usar o alumínio como base de seus trabalhos.

Desta leva, vale destacar uma cortina do teto ao chão formada por pequenos quadrados vazados de metal amarrados uns aos outros por argolas, uma versão menor da obra exibida no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro em 2008, parte da série “Qualas”, neologismo que une a primeira sílaba de quadrado com a última de argolas.

O artista conta que esta obra tem uma leve influência dos penetráveis de Hélio Oiticica, com quem conviveu na elétrica década de 1960 no Rio de Janeiro. Naquela época, Ascânio lembra que se reunia para conversar com um grupo de artistas, entre os quais Cildo Meireles e Antonio Manuel, nos finais de dia no Museu de Arte Moderna.

“Não era só a formação em arte que era importante, era também a convivência [com o grupo]”, ele afirma. Ascânio também foi muito próximo de Lygia Pape. A artista fez a diagramação do folheto de uma mostra do escultor na galeria Grupo B, em 1972, um documento que está na exposição no MuBe.

O artista cita ainda dois outros nomes importantes em sua formação –Franz Weissmann, que também produzia esculturas de formas geométricas em alumínio, e Alexander Calder, conhecido por seus móbiles. Ambos tinham um cuidado artesanal com suas obras que Ascânio diz ter fascínio.

Outro destaque da exposição é uma torção em madeira posicionada logo na entrada, “Escultura 2”, que deu ao artista o prêmio do Panorama da Arte Brasileira de 1972, promovido pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo –a obra, parte do acervo da instituição, não era exibida há décadas.

O público também vai ver a obra inaugural da carreira de Ascânio, uma escultura executada em 1964 e renegada pelo artista durante muito tempo. Ele jogou fora a peça duas vezes, em ambas resgatadas pela sua mulher e depois valorizada pelo crítico Paulo Herkenhoff em um livro sobre sua obra.

O trabalho surgiu em uma aula de artes na qual o artista torceu um arame a partir do chão. Ela é relevante por conter as ideias rudimentares dos eixos e das curvas que nortearam a sua carreira, segundo o organizador da mostra. A peça não foi restaurada e pode ser vista em seu estado original, desgastada.

Na área externa do museu, Ascânio instalou dois trabalhos feitos a partir de suas esculturas públicas no Rio de Janeiro, uma localizada na praia de Botafogo e outra no bairro do Cosme Velho. O branco dançante das duas obras, executadas sob encomenda do MuBE, contrasta com as linhas retas e estáticas da arquitetura bruta onde estão inseridas, partes do prédio desenhado por Paulo Mendes da Rocha.

“É uma conversa, não é uma repetição do que o Paulo Mendes está fazendo”, afirma Perrota-Bosch, o organizador, sobre as obras externas. “As esculturas do Ascânio quase sempre nos instigam a ir ao redor delas, porque é muito diferente o modo de visualização de acordo com a fachada.”

TORÇÕES – ASCÂNIO MMM

Quando: De 23 de setembro a 26 de novembro; de terça a domingo, das 11h às 18h

Onde: Museu Brasileiro da Escultura e Ecologia – rua Alemanha 221, São Paulo

Preço: Grátis

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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