Assassinato de Rubens Paiva teve operação para esconder corpo e torturador homenageado

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “General Belham – Na época chefiava o DOI-Codi, estava nas dependências do DOI-Codi quando da chegada do senhor Rubens Paiva. Ele sabe quem interrogou o preso e o que aconteceu!

Hughes – Oficial da reserva, interrogador do DOI-Codi, citado como ‘forte, de olhos azuis’, onde após ser licenciado pelo Exército, foi para os Correios e Telégrafos […].

Coronel Ronaldo – Raymundo Ronaldo Campos, oficial de cavalaria, participava dos interrogatórios.

Rubens Paim Sampaio, chefe da equipe Ciex, equipe esta que recebeu o senhor Rubens Paiva e o interrogou.”

Pergunte a eles, podem elucidar o que aconteceu.

As declarações são do coronel Ronald Leão, em carta à CNV (Comissão Nacional da Verdade), que apurou, de 2012 a 2014, as violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964-1985).

O caso tratado é do ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, sequestrado, torturado e morto em 1971 pelo regime. Mais de 50 anos depois, seu corpo nunca foi encontrado. Os militares que o assassinaram não foram punidos.

O tema voltou a ser discutido com o sucesso de bilheteria de “Ainda Estou Aqui”, filme de Walter Salles que busca representar o Brasil na disputa pelo Oscar 2025.

Paiva foi deputado federal até o golpe de 1º de abril de 1964. Horas depois de fazer um discurso na Rádio Nacional contra o que ocorria, foi cassado. Exilou-se na Europa por alguns meses e depois retornou ao Brasil, onde passou a viver no Rio de Janeiro com a esposa, Eunice, e os cinco filhos.

A personalidade generosa fez com que ajudasse exilados a se comunicarem com o Brasil, mesmo já afastado da política e sem participação direta na luta armada, diz Jason Tércio, escritor e biógrafo do político.

O caso dele consta no relatório final da CNV como emblemático, junto ao de Stuart Angel, ativista político também torturado e morto.

Finalizada em 2014, a comissão apontou que Rubens foi retirado de casa no dia 20 de janeiro de 1971 por agentes armados com metralhadoras. Tinha 41 anos e foi levado em seu carro, um Opel Kadett, para o quartel da 3ª Zona Aérea, onde foi torturado.

Em seguida, foi levado ao DOI-Codi do Rio de Janeiro, na rua Barão de Mesquita, na Tijuca. Motivo: era um dos destinatários de cartas enviadas por exilados no Chile. A filha Eliana, então com 15 anos, e a esposa também foram detidas. Foram depois liberadas, mas Rubens não voltou.

Em depoimento de 1986, o tenente-médico do Exército Amílcar Lobo relatou tê-lo encontrado em uma cela com dores abdominais e uma possível ruptura hepática.

Segundo seu relato, reconheceu indícios de tortura e disse que o paciente provavelmente tinha horas de vida e pouca chance de sobreviver. Afirmou ter falado em necessidade de hospitalização. Soube depois que Rubens havia morrido.

O Exército tentou ocultar a morte. Inicialmente, disse que não estava com o ex-deputado e falou que o veículo dele tinha sido interceptado por “terroristas”.

Segundo o coronel da reserva Raymundo Ronaldo Campos, o major Francisco Demiurgo Santos Cardoso, que atuava como chefe da área de operações, solicitou que levasse o carro para um local distante e colocasse fogo.

A intenção da narrativa sobre a interceptação era acobertar o que efetivamente havia acontecido: “Morreu, morreu, morreu no interrogatório”, teria dito Cardoso a Campos. O depoimento do coronel da reserva foi dado à Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro em 18 de novembro de 2013.

Cecília de Barros Correia Viveiros de Castro, que trouxe do Chile as cartas que tinham Rubens como um dos destinatários, reconheceu o ex-deputado no carro que a levaria ao DOI-Codi. Segundo ela, Rubens estava vermelho, tinha manchas de sangue sobre a camisa em desalinho e olhos esbugalhados.

Cecília afirmou que o coronel Nereu de Matos Peixoto presenciou a tortura contra o ex-deputado. “Entrava e saía da sala de onde vinham os gritos”, disse no inquérito policial instaurado em 1986 pela Justiça Militar.

A CNV aponta que oficiais do 1° Batalhão da Polícia do Exército foram testemunhas da morte de Rubens no DOI-Codi. Cita a testemunha ocular identificada como “Agente Y” e seu superior, o coronel Ronald Leão, como pessoas que teriam transmitido o ocorrido ao major Belham, que era comandante do DOI-Codi.

Leão mencionou à CNV outros militares envolvidos, como o major Rubens Paim Sampaio e o capitão Freddie Perdigão Pereira. O Agente Y relatou à comissão que Antônio Fernando Hughes de Carvalho teria interrogado Rubens “com método não tradicional”. Em outro depoimento, identificou esse método como uma pressão contra a parede.

Apesar de ter tido o nome preservado pela comissão, o Agente Y foi identificado posteriormente pela imprensa como sendo o coronel da reserva Armando Avólio Filho, ex-integrante do PIC-PE (Pelotão de Investigações Criminais da Polícia do Exército).

O major Belham falou à CNV que estava de férias naqueles dias de janeiro. Disse também que não houve mortes no DOI-Codi enquanto ele foi chefe. A comissão rebate a afirmação no relatório.

Meses após a morte de Rubens, em 5 de novembro de 1971, Hughes recebeu a Medalha do Pacificador “como uma homenagem especial do Exército, pelos assinalados serviços prestados no combate à subversão, colaborando dessa forma para a manutenção da lei, da ordem e das instituições”.

Em 2014, o Ministério Público Federal denunciou no caso os militares Belham, Sampaio e Campos, bem como os irmãos sargentos Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza, que teriam atuado na ocultação do cadáver. Citou também outros militares envolvidos, mas já falecidos, como Hughes, e falou em agentes até então não identificados.

Dos cinco, apenas José Antônio Nogueira Belham e Jacy Ochsendorf e Souza ainda estão vivos.

Sobre Belham consta, no Portal da Transparência, que é militar reformado, com posto de pagamento equivalente ao de marechal. A ficha de remuneração mais recente disponível é de quase R$ 36 mil. Segundo o Exército, ele recebeu 26 medalhas durante a carreira. Jacy, por sua vez, é militar reformado com posto de pagamento de major e remuneração de R$ 23 mil.

Há processos na Justiça envolvendo o caso, mas, até hoje, ninguém foi punido. O corpo também não foi encontrado, e seu desaparecimento passa por hipóteses que envolvem ter sido desenterrado e depois jogado no mar ou rio.

O óbito foi atestado pelo governo brasileiro em 1996, durante o mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso.

ANA GABRIELA OLIVEIRA LIMA / Folhapress

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