SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Associações que representam pessoas com TEA (transtorno do espectro autista) e deficiências apresentaram à ministra dos Direitos Humanos e da Cidadania, Macaé Evaristo, uma denúncia contra a prática do excesso de horas em terapia para pessoas autistas.
O documento aponta que práticas terapêuticas excessivas, especialmente as baseadas na ABA (análise do comportamento aplicada, em inglês), representam uma grave violação aos direitos humanos e as iguala com “uma forma moderna de regime manicomial”.
As entidades Autistas Brasil (Associação Nacional para Inclusão das Pessoas Autistas), Abraça (Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas Autistas) e VNDI (Vidas Negras com Deficiência Importam) solicitam intervenções urgentes para apurar possíveis infrações aos direitos, dentre elas uma investigação rigorosa das práticas e a criação de diretrizes que limitem a carga horária das terapias para pessoas autistas.
A denúncia diz ainda que as longas jornadas terapêuticas centralizam a vida do indivíduo em torno de terapias e não levam em consideração as necessidades individuais e a dignidade do autista, “forçando-o a adequar-se a comportamentos e expectativas neurotípicas”.
Elas sugerem o monitoramento de instituições e serviços terapêuticos para avaliação sobre se práticas adotadas são benéficas para pessoas com TEA, se estão em conformidade com os princípios de autonomia, e se estão “evitando práticas coercitivas que possam causar danos emocionais e psicológicos ao indivíduo”.
A denúncia foi entregue durante o Seminário Internacional Autismo e Educação Inclusiva, no último dia 10, na qual a ministra esteve presente. O recebimento foi confirmado pela assessoria de imprensa de Evaristo.
Segundo o advogado Guilherme de Almeida, presidente da Autistas Brasil, a iniciativa veio da experiência pessoal dos integrantes da associação e não tem um alvo em específico, mas abrange desde instituições que abrigam as práticas até profissionais de saúde que as indicam.
“Muitos [pacientes] passaram por abordagens terapêuticas extremamente traumáticas e a gente buscou entender o que havia em comum entre elas. A denúncia é muito mais um pedido de investigação acerca de práticas questionáveis, por exemplo, quando você diz que uma criança tem que se submeter a 40 horas de terapia, que é a jornada de trabalho de uma pessoa adulta”, afirma.
As entidades afirmam ainda que terapias exaustivas infringem o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, tratado internacional que reconhece e protege direitos humanos básicos.
“As jornadas intensas comprometem a possibilidade de engajamento em outras atividades igualmente essenciais para o desenvolvimento humano, como a participação em momentos de lazer, a educação formal e a interação social espontânea”, dizem as associações no documento.
O psiquiatra Vinícius Barbosa, diretor de Inovação Médica da Associação Nacional para a Inclusão das Pessoas Autistas, é autor de um artigo que questiona a ética envolvida na ABA, usado como base para a denúncia. Barbosa defende que a terapia tradicionalmente visa modificar comportamentos considerados inadequados ou “desviantes”, e que a eliminação de tais comportamentos pode aumentar o sofrimento dos pacientes.
Por outro lado, segundo o CDC americano (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), as abordagens comportamentais são as que têm mais evidência para reduzir sintomas do TEA. As intervenções baseadas na ABA são apontadas como tendo efeito significativo para ganhos de desenvolvimento e aprendizado.
Segundo a professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Thais Porlan , a ABA é uma ciência, e não um método ou uma técnica. “Trata-se de uma abordagem sobre a aprendizagem a partir da interação.”
No entanto, ela diz que, como o autismo hoje é um “nicho” de mercado, isso abre espaço para pessoas sem formação oferecerem formações ruins. O problema, portanto, não seria a ABA. “É importante entender que os benefícios da ABA só poderão ser avaliados corretamente se tivermos garantia de que quem aplica seja um especialista”, diz.
Sobre a questão das estereotipias, Porlan afirma que houve, no passado, situações em que pesquisadores trabalharam na perspectiva de redução das estereotipias, mas que é necessária uma análise individual.
O temor de algumas pessoas é de que o relatório abra espaço para ampliar as negativas à cobertura do tratamento por planos de saúde e impacte políticas públicas para o Brasil.
O excesso de terapia para pessoas com TEA é um dos argumentos para padronizar os julgamentos de temas da saúde pública e suplementar no Judiciário, utilizando um critério maior antes de aprovação da prescrição da terapia e o financiamento pelos planos de saúde.
Com o aumento dos casos envolvendo transtornos, muitos dos pedidos judiciais se relacionam à uma indicação de terapias com carga horária excessiva, concluíram.
Por isso, foi recomendado que a Justiça se atente à variáveis como a carga horária do tratamento solicitado, ao plano terapêutico e à justificativa das terapias possíveis a serem aplicadas.
LUANA LISBOA / Folhapress