LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Com o aumento das interações entre orcas e veleiros na península Ibérica já são mais de 400 episódios relatados, com alguns danos graves às embarcações e até naufrágios, crescem também os temores de possíveis agressões contra os animais.
No fim de junho, um vídeo gravado por turistas no Algarve, no sul de Portugal, mostra os ocupantes de um veleiro utilizando explosivos para tentar afugentar os animais. Há também relatos de quem já use pedras e pedaços de madeira com o mesmo objetivo.
Nas redes, já são encontradas mensagens incentivando ações mais violentas contra as orcas, que costumam passar por Portugal e Espanha na primavera e no verão, seguindo os fluxos migratórios do atum.
“Eu sei que pode ser muito assustador estar no meio do oceano com animais grandes tocando o seu barco. Pode ser muito perigoso para as pessoas”, diz Mónica González, bióloga marinha da Coordenação de Estudos de Mamíferos Marinhos (CEMMA).
“Mas também é perigoso para as orcas, porque as pessoas estão muito irritadas agora. Há quem entre no mar com fogos, com pedras ou com outras coisas para tentar evitar as interações. Isso pode machucar os animais, o que é muito fácil”, afirma a cientista espanhola.
A especialista faz parte do GTOA, o Grupo de Trabalho Orca Atlântica, que tem se dedicado a monitorar a situação.
Apesar do potencial de causar graves problemas para as embarcações, os pesquisadores salientam que as orcas não estão efetivamente atacando os barcos. Há diferentes hipóteses para o fenômeno, incluindo uma espécie de brincadeira entre os bichos ou uma mera ação comportamental replicada por vários indivíduos.
As interações das orcas com os barcos começaram em maio de 2020, no estreito de Gibraltar, e vêm se alastrando, com pelo menos 15 animais com registro documentado desse comportamento. A ação costuma ser sempre a mesma e afeta principalmente veleiros, com os bichos se concentrando em atingir o leme das embarcações.
Em um artigo na revista especializada Marine Mammal Science, publicado em maio de 2022, os cientistas consideram a hipótese de que algumas das interações começaram com um indivíduo adulto, batizado como Gladis Branca, após um incidente com um barco. O animal pode ter agido para se defender.
“Nossa hipótese com a Gladis Branca é de que ela sofreu um momento de adversidade que envolveu um veleiro. Então, quando essa orca vê um veleiro, ela sente uma sensação de estresse novamente e tenta parar o barco e evitar esse momento”, diz a bióloga marinha Mónica González.
Segundo ela, esse comportamento de defesa estaria ligado aos indivíduos adultos e mais velhos. No caso dos mais jovens, poderia haver até uma componente de “brincadeira” entre os animais.
A especialista também destaca que os animais podem replicar a conduta de outros indivíduos de sua espécie, o que ajudaria a explicar como o método de interação com as embarcações foi se espalhando entre as orcas da região. “É mais uma questão de cópia do que um aprendizado.”
“Subpopulações de orcas são muito matriarcais, a mães e as avós são muito importantes. Os animais juvenis estão vendo uma mãe importante no grupo tendo esse comportamento de encostar no barco. Então, os mais novos estão copiando essa conduta, às vezes com a ideia de que é necessário parar os barcos”, relata.
Embora tenham o apelido de “baleia assassina”, as orcas são na verdade um tipo muito grande de golfinho. São criaturas bastante sociáveis e sem comportamento agressivo para humanos, com exceção de episódios acontecidos sob confinamento em cativeiro.
Para tentar preservar pessoas e animais, cientistas e autoridades de Portugal e Espanha têm buscado soluções. Uma das apostas é um aparelho acústico com o objetivo de dissuadir as orcas para uma aproximação com as embarcações, que deve começar a ser testado em breve.
Enquanto não há soluções mais efetivas, autoridades e cientistas têm investido no monitoramento dos animais. O Ministério para a Transição Ecológica espanhol criou uma campanha de sinalização desses animais, permitindo a criação de uma espécie de mapa de deslocamentos.
Grupos nas redes sociais têm sido usados para ajudar velejadores a se orientarem pela região onde as orcas normalmente agem, com comunidades específicas que agregam informações atualizadas sobre a rota e locais de avistamento dos bichos.
GIULIANA MIRANDA / Folhapress