PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – Após mais de cem dias fechada devido à enchente histórica que inundou o centro histórico de Porto Alegre em maio, a Casa de Cultura Mario Quintana reabriu as portas nesta quarta-feira (14).
Um dos principais pontos turísticos e culturais da capital gaúcha, o tradicional prédio cor-de-rosa passou por uma reforma extensa para consertar os danos causados pelas águas do Guaíba e receber o público.
A cerimônia de retorno também inaugurou a exposição “Reflexos da Emergência”, que mostra os impactos da tragédia climática pelas lentes do fotógrafo Gideon Mendel. As imagens são exibidas em telas grandes, expostas no lado externo do prédio.
Natural da África do Sul e residente em Londres, Mendel desenvolve desde 2007 o projeto “Drowning World” um mundo que se afoga, acompanhando desastres climáticos em diferentes regiões do mundo.
Para a diretora da instituição, Germana Konrath, o trabalho de Mendel “traz esse diálogo do que acontece em uma escala global com que acontece aqui especificamente no Rio Grande do Sul “. Na capital gaúcha, ele fotografou moradores em suas casas atingidas e lugares históricos, dentre elas a própria Casa de Cultura.
Konrath diz que o primeiro contato do fotógrafo com a instituição “foi meio anedótico, porque o vigilante que estava naquele dia durante a enchente mandou mensagem dizendo tem um repórter americano, não estou entendendo o que ele quer'”. “Ele entrou por uma brecha, porque a água estava arrombando as portas tamanha a força”, afirma a diretora. Um contato formal foi estabelecido depois, e Mendel contou com apoio da equipe.
A Casa de Cultura Mario Quintana fechou em 3 de maio, quando uma falha em uma estação de bombeamento de água pluvial fez o lago Guaíba extravasar e alagar a região central rapidamente. A água oscilou entre 60 centímetros e 1,5 metro no primeiro pavimento.
Um dia antes, uma força-tarefa de funcionários removeu móveis, equipamentos e obras de arte para pisos superiores. Ainda assim, a enchente danificou as redes elétrica e hidrossanitária, estruturas de madeira e as três salas de projeção da Cinemateca Paulo Amorim. Uma delas, a sala Eduardo Hirtz, voltou a funcionar no dia 8 de agosto, como pequena prévia da reabertura.
“A gente teve um longo trabalho de bastidores no início, uma imprecisão do que seria necessário”, disse Konrath sobre a recuperação do térreo. “Assim que a água baixou, a gente teve um trabalho de limpeza e a seguir já entrou em uma equipe que está trabalhando conosco na parte de reforma especializada em restauro”.
O prédio, construído entre 1916 e 1933, é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul, o Iphae .
As principais reformas pendentes estão concentradas na ala oeste, e devem ser concluídas em setembro. O custo total deve ficar próximo de R$ 2,5 milhões.
Fundada em 1990, a Casa de Cultura Mario Quintana ocupa os sete andares do antigo hotel Majestic, que teve como ilustre morador fixo o poeta que hoje batiza o lugar. O quarto 217, ocupado pelo poeta Mario Quintana por 12 anos, é preservado com a decoração original e itens do acervo pessoal do autor.
A reabertura da Casa de Cultura, que é ligada à Secretaria Estadual de Cultura, também significa a volta à ativa de outras instituições estaduais que funcionam em suas dependências. “Como bom hotel que já fomos, a gente tem muitos hóspedes”, diz Konrath.
Além da Cinemateca Paulo Amorim, ficam no local as sedes dos institutos estaduais de artes visuais, música e cinema, a biblioteca infantil Lucília Minssen, um acervo fixo em homenagem à cantora Elis Regina e o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul, o MACRS.
“A Casa de Cultura é o local de Porto Alegre que pessoas de fora conhecem e querem visitar, então nada mais natural que a retomada do setor artístico e cultural da cidade se ancore nesse prédio”, disse o artista visual Michel Au Hasard, um dos participantes da exposição “Nham-Nham-Nham”, que marca o retorno das atividades do MACRS.
A mostra estava marcada para abertura no dia 2 de maio, mas as atividades foram paralisadas pelo risco de alagamento. “Era uma exposição que iria abrir justamente no começo das enchentes e que ficou montada por quatro meses, então foi bastante emblemático ver diversos trabalhos que perduraram esse tempo e que estavam aqui”, disse Au Hasard.
Moradores do centro histórico que convivem com a efervescência cultural do local no dia a dia comemoraram a reabertura, caso do ilustrador Alexandre Carvalho da Rosa e a jornalista Ânia Chala. O casal ia com frequência até a esquina mais próxima à Casa de Cultura nos períodos mais duros da enchente para acompanhar o nível da água.
Alexandre conta que, depois que a água baixou, ambos dividiam a mesma sensação ruim ao ver os danos evidentes. “A gente caminhava na rua e sentia um peso na alma, sentia um cansaço, um desânimo. Isso estava no ar”, disse ele. “A reabertura da casa faz com que a gente tire esse peso um pouco do coração”
“Moro no centro há muito tempo e eu vi na inauguração da casa, então poder voltar aqui agora é maravilhoso”, diz Chala.
Ela lamenta ver o local ainda com marcas do estrago e os danos na livraria Taverna, que ocupava um espaço no térreo, mas considera importante marcar presença para incentivar a retomada das atividades. “A gente está vindo para dizer olha, estamos aqui, a gente vai continuar participando dos eventos, vindo ao cinema. Os melhores filmes passam aqui, as melhores pessoas estão aqui”.
CARLOS VILLELA / Folhapress