QUEDLIMBURGO, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – “Sou o crítico mais agressivo do Islã na história. Se você não acredita em mim, pergunte aos árabes.”
Taleb Al A., 50, o médico preso pela polícia após atropelar dezenas de pessoas, matando ao menos cinco delas, em um mercado de Natal em Magdeburgo, na Alemanha, nesta sexta-feira (20), era um conhecido ativista anti-islã, com 40 mil seguidores no X, e simpatizante da extrema direita do país. O ataque é investigado como terrorismo.
O perfil do suspeito, cujo sobrenome não é divulgado pelas autoridades e pela imprensa alemã por questões legais e de privacidade, intriga as autoridades, já que ele não se encaixa na descrição clássica de um terrorista. A ministra do Interior, Nancy Faeser, disse a jornalistas neste sábado (21) que Taleb era islamofóbico. “Isso era evidente”, afirmou, sem dar mais detalhes.
A frase que abre este texto é de uma entrevista dada por Taleb ao jornal econômico Frankfurter Allgemeine Zeitung em 2019 e republicada neste sábado.
Na mesma reportagem, ele explica as razões de ter pedido asilo na Alemanha em 2016, dez anos depois de ter chegado ao país, mesmo já tendo vistos de residência e trabalho. Segundo ele, a pressão que sofria de seu grupo social tinha se tornado insuportável. “Eu não podia dizer a eles que não iria mais à mesquita. Os muçulmanos aqui tratam pessoas como eu, que têm origem islâmica mas não são mais crentes, sem compreensão nem tolerância.”
Entender como Taleb passou do ativismo anti-islã ao ponto de supostamente cometer um ataque normalmente imputado ao objeto de suas críticas é o desafio das autoridades neste momento. Paradoxalmente, ele tinha sido alvo de um alerta da Arábia Saudita para a Alemanha que o apontava como um risco aos muçulmanos no país.
As últimas postagens do médico são ainda mais incongruentes com o desfecho do ataque. Ele reclamava que a “Alemanha que está se islamizando” e tecia elogios a Alice Weidel, candidata a premiê pela AfD (Alternativa para a Alemanha), o partido de extrema direita conhecido pela retórica agressiva anti-imigração.
Magdeburgo é a capital da Saxônia-Anhalt, um dos estados da antiga Alemanha Oriental que deu por volta de 30% de seus votos para a AfD nas últimas eleições regionais. No começo de novembro, uma operação da polícia federal alemã desmantelou na vizinha Saxônia um grupo neonazista que pregava o caos para desestabilizar o governo e dar um golpe de Estado. Integrantes do partido de Weidel estavam entre os presos e logo foram expulsos.
A sigla extremista agora entra, assim, em nova operação de controle de danos. Mais um ataque contra mercados de Natal na Alemanha, oito anos após a morte de 13 pessoas em um evento do tipo em Berlim, deveria servir como oportunidade para reforçar o discurso anti-imigrante, mas o perfil de Taleb dificulta um enquadramento tão simples.
Isso não impediu que cerca de 500 extremistas de direita vindos de todo canto se reunissem na cidade no começo da noite para gritar slogans contra imigrantes e muçulmanos. “O que faremos com todas essas pessoas, esses imigrantes sem sentido?”, perguntava um dos líderes da manifestação. “Deportação”, gritavam os demais.
Do outro lado da cidade, uma missa na catedral de Magdeburgo, a primeira construída em estilo gótico na Alemanha, era prestigiada por Olaf Scholz e Frank-Walter Steinmeier, respectivamente o premiê e o presidente do país, assim como ministros, integrantes da oposição e outras autoridades. Estavam lá também bombeiros e socorristas.
Vestido de preto, o premiê prometeu agir contra “aqueles que querem semear ódio” e fez um apelo à unidade nacional. “É importante que permaneçamos unidos como país”, disse. “O espaço de paz mais seguro que você pode manter é o seu coração”, afirmou no serviço Friedrich Kramer, bispo regional da Igreja Evangélica alemã.
Toda a área do atentado amanheceu preservada neste sábado, protegida por vários carros da polícia. Investigadores entravam e saíam de lojas nos arredores, e via-se lixo, peças de roupa, luvas de látex e materiais usados por socorristas espalhados desordenadamente pelas calçadas.
Mais tarde, uma multidão se juntou no local para homenagear as vítimas com velas, flores e bichos de pelúcia.
A trajetória incomum de Taleb nas redes sociais sugere problemas de saúde mental, disseram alguns analistas ouvidos pela imprensa alemã. As autoridades já são criticadas por não terem detectado o comportamento peculiar do médico, cujo perfil no X tinha como imagem de destaque o desenho de um fuzil estilo AR-15.
Um porta-voz de uma clínica de reabilitação especializada para criminosos com vícios em Bernburg confirmou que o suspeito havia prestado serviços como psiquiatra para eles, mas acrescentou que ele não estava trabalhando no local desde outubro.
Em uma entrevista à imprensa neste sábado, o promotor Horst Walter Nopens, responsável pelo caso, disse que Taleb deve ser acusado por assassinato e tentativa de assassinato. O motivo do ataque ainda não está claro, prosseguiu ele, mas a insatisfação do suspeito com o tratamento que a Alemanha dá aos refugiados sauditas pode ter desempenhado um papel no atentado.
Em agosto, o suspeito havia denunciado em sua conta no X o que descreveu como “crimes cometidos pela Alemanha contra os refugiados sauditas e a obstrução da justiça”. “Pouco importa a quantidade de evidências que apresentemos” nos processos de pedido de asilo, afirmou ele na ocasião. Taleb permanecerá em prisão preventiva, segundo o promotor.
Os cinco mortos no incidente incluem uma criança de 9 anos. Há mais de 200 feridos, 40 deles em estado grave, e a expectativa é de que o número possa aumentar. A cidade está tomada por forças de segurança.
Alguns mercados de Natal, uma tradição na Alemanha desde a Idade Média, foram cancelados neste fim de semana pelo país. Outros tiveram a segurança reforçada e anunciam homenagens aos afetados pelo ataque na capital do estado da Saxônia-Anhalt.
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress