SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL), pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, enfatiza o currículo como professor desde os anos 2000 para rebater críticas de adversários que afirmam que ele nunca trabalhou. Suas atuações nessa ocupação, porém, representam períodos esparsos desde 2006 e com inconsistência em uma das experiências relatadas.
Boulos teve envolvimento intenso na militância política na última década como coordenador do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), o que pavimentou seu nome na esquerda e gerou grande rejeição na direita –35% não votariam em Boulos, segundo a última pesquisa Datafolha, maior índice entre os pré-candidatos.
Desde a primeira experiência nas salas de aula, em 2006, até hoje, se passaram 18 anos. Em seu currículo, Boulos relata ter atuado como professor por aproximadamente metade desse tempo, em momentos intervalados. Apenas durante um ano e meio, porém, ele teve dedicação exclusiva, na rede estadual paulista. Houve ainda períodos em que ele trabalhou como consultor e deputado federal.
Em relação ao período como professor, a reportagem encontrou uma informação duplicada no currículo de Boulos. Ele afirma que, em 2019, foi professor de curso livre no IREE (Instituto para a Reforma das Relações entre Empresas e Estado), e também diz que foi coordenador de curso na Escola Kope, entre 2021 e 2022.
O IREE, porém, não promove cursos –apenas a Kope, que é uma plataforma de cursos online vinculada ao instituto.
Boulos atuou como professor no Curso de Introdução à Política (Cipol) e nos cursos O Direito é Seu e Soluções para o Brasil, este último coordenado e apresentado pelo próprio deputado. As aulas foram gravadas e ficam disponíveis para os alunos da plataforma.
No IREE, ele também foi articulista de janeiro de 2018 a fevereiro de 2022. Desde então, não tem mais vínculos com o grupo. Nesse período, prestou ainda consultoria ao instituto, por meio de análises sobre o cenário político e social.
Boulos destaca o lado professor como um ativo político. Em um vídeo, ele diz ter decidido optar pela profissão ao acompanhar um grupo de educadores que trabalhavam num projeto de alfabetização de jovens e adultos.
“Para mim foi muito forte. Lógico, eu tinha 15, 16 anos. Foi ali que eu decidi que seria professor, quando eu vi que a alfabetização para as pessoas não era só aprender a ler e escrever, era poder ver o mundo de uma outra forma.”
A primeira atuação de Boulos como professor foi na Escola Estadual Maria Auxiliadora, em Embu das Artes (Grande SP), de março de 2006 e setembro de 2007.
O trabalho com dedicação exclusiva se limitou a esse período de um ano e meio, quando ele cita uma carga horária de 26 horas (provavelmente semanais, embora ele não tenha respondido ao questionamento da reportagem). Depois, houve intervalos dispersos no período como professor, com carga horária muito menor (dependendo da atividade, entre 4 e 8 horas).
O psolista relata ter trabalhado na Faculdade de Mauá em 2011. A reportagem não localizou ninguém da entidade para confirmar a experiência.
Boulos cita em seu currículo Lattes que, dois anos depois, foi professor terceirizado da Escola de Educação Permanente da Faculdade de Medicina da USP, entre 2013 e 2017, onde atuou em curso que era coordenado por seu pai, o médico Marcos Boulos. A entidade, que mudou seu nome para HCX, confirmou à reportagem que ele atuou em curso EAD e presencial.
Em 2019, Boulos atuou como professor visitante na Faculdade de Sociologia e Política, em um curso de extensão.
Em 2022, ele voltou a ter um período mais prolongado nas salas de aula, quando trabalhou como professor convidado da PUC por dois semestres, no mestrado profissional em governança global e formulação de políticas internacionais.
Além de articulista no IREE, Boulos também teve coluna na Folha de S. Paulo e na revista Carta Capital. Na última década, publicou três livros: “Por que ocupamos?” (ed. Autonomia Literária, 2012), “De que lado você está?” (Boitempo, 2015) e “Sem Medo do Futuro” (Contracorrente, 2022).
A principal atuação de Boulos na última década sempre foi política. No entanto, ele afirma que não recebe e nunca recebeu nenhuma remuneração por parte do MTST ou do PSOL.
A crítica de que Boulos não trabalhou na vida é constante entre adversários políticos. Os ataques se baseiam no fato de o psolista ter vindo de uma família de médicos e ter sido criado em um bairro de classe média alta, com a militância sem-teto como principal atividade, pela qual o acusam de ser invasor.
Boulos admite a origem, diz ter orgulho da militância na área de moradia e enfatiza a atuação como professor para rebater as críticas. Desde 2023, ele também atua como deputado federal.
Durante um ato político, por exemplo, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) fez ataque nesse sentido. “Quero agradecer a cada um dos senhores por dar esse voto de confiança para que a gente possa dar continuidade a esse trabalho e vencer o invasor, vencer esse vagabundo desse sem-vergonha”, disse.
Quatro dias depois, a assessoria de Nunes enviou nota à reportagem dizendo que ele não havia mencionado diretamente nenhum candidato em sua fala, embora ela tenha sido claramente dirigida a Boulos.
“Eu não cito diretamente nenhum candidato na minha fala. Se o [Guilherme] Boulos vestiu a carapuça e está se reconhecendo como o ‘vagabundo’, ele deve ter uma boa razão para isso”, afirmou Nunes.
Outros rivais, como Pablo Marçal (PRTB), seguem a mesma linha em críticas.
Os ataques fizeram com que Boulos gravasse vídeos em suas redes sociais rebatendo esse tipo de acusação. “Respondendo a haters: como professor, colunista e, mais recentemente, deputado federal, sempre trabalhei”, escreveu.
Boulos afirma, em nota, trabalhar desde 2006, quando passou a “atuar como professor de escola básica, professor convidado em cursos de especialização, pesquisador ou colunista de veículos da imprensa, sempre de forma remunerada”.
O comunicado não menciona a inconsistência da informação duplicada apontada pela reportagem e afirma que as críticas são um discurso bolsonarista. “Só não reconhece sua atuação aqueles que reproduzem o discurso bolsonarista e ofendem e tentam desqualificar seus adversários políticos –são os que desvalorizam a pesquisa, a ciência e o trabalho dos professores.”
Além da graduação em filosofia pela USP (2006), Boulos tem especialização em psicologia clínica pela PUC/SP (Cogeae) e mestrado em psiquiatria pela USP (2017). Está no primeiro mandato como deputado federal (2023-2027).
ANA LUIZA ALBUQUERQUE E ARTUR RODRIGUES / Folhapress