RECIFE, PE (FOLHAPRESS) – O presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco, Álvaro Porto (PSDB), criticou a governadora do estado, Raquel Lyra (PSDB), durante fala vazada na transmissão da sessão de abertura dos trabalhos do Poder Legislativo em 2024.
Raquel esteve presente na cerimônia e fez um discurso, assim como o presidente da Casa, o vice-líder do governo, Joãozinho Tenório (PRD), e a líder da oposição, Dani Portela (PSOL).
Após o discurso, Raquel Lyra cumprimentou os integrantes da Mesa Diretora e deixou o plenário. Enquanto a governadora cumprimentava os deputados, o presidente da Assembleia conversou com auxiliares com o microfone aberto.
“O discurso de Dani [Portela] e da governadora deu uma hora [de duração]”, diz um interlocutor. Em seguida, Álvaro responde: “E o dela eu não entendi nada, conversou merda demais e não disse nada”.
Outro interlocutor diz na sequência: “Podia ter perguntado onde é esse estado” ao qual a governadora se referiu. “Eu também queria saber, está aberto aqui [o microfone]. Posso até perguntar”, disse Álvaro, em tom irônico. Durante discurso, Raquel Lyra elencou ações do governo em 2023 e fez promessas para 2024.
Após a repercussão das falas vazadas, o canal oficial da Assembleia Legislativa retirou do ar o vídeo no YouTube. A prática não é comum, já que outras sessões de 2023 seguem na plataforma do Legislativo estadual.
Apesar de serem do mesmo partido, Álvaro Porto e Raquel Lyra têm relação turbulenta desde o ano passado. Ele, inclusive, já foi reeleito antecipadamente para a presidência da Assembleia até 2026, a contragosto do Poder Executivo.
Em nota, a Comissão Executiva Nacional do PSDB manifestou solidariedade a Raquel e repudiou “comentários agressivos contra ela emitidos pelo presidente da Assembleia Legislativa de Pernambuco, Álvaro Porto”.
“Nosso partido luta incessantemente para que as mulheres sejam protagonistas de verdade na política e em todos os espaços de poder. Nós, tucanos, temos muito orgulho de termos eleito uma jovem e competente mulher como governadora de Pernambuco e não podemos tolerar manifestações agressivas contra ela venha de quem vier. Muito menos de um deputado do próprio PSDB”, diz a manifestação.
O PSDB nacional ainda diz que o Conselho Nacional de Ética e Disciplina do partido “está pronto para avaliar eventuais medidas disciplinares contra o deputado Álvaro Porto” e a legenda “está à disposição da governadora Raquel Lyra também para apoiá-la em eventuais medidas jurídicas que se fizerem necessárias”.
A interlocutores a governadora de Pernambuco disse que vê machismo no episódio e que a fala de Álvaro Porto teria deixado claro que ele age no campo pessoal nos embates com o Executivo. Raquel Lyra também teria dito a pessoas próximas que não tem mágoa pessoal com Álvaro Porto, mas que está insatisfeita com atitudes políticas dele.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o entorno da governadora acredita que o deputado tucano quer assumir o Executivo no futuro, derrubando Raquel e a vice-governadora Priscila Krause (Cidadania). Álvaro Porto nega a intenção a seus assessores e colegas de Parlamento.
A reportagem procurou a Assembleia Legislativa para saber a posição do Casa e do presidente da Alepe após o episódio desta quinta (1º). A Folha de S.Paulo também procurou a governadora Raquel Lyra, por meio da assessoria do Governo de Pernambuco, para se manifestar oficialmente. O Legislativo e o Executivo não responderam aos contatos.
A ida da governadora à Assembleia nesta quinta (1º) aconteceu em meio à nova tensão gerada após o governo de Pernambuco entrar com ação no STF (Supremo Tribunal Federal) para defender a derrubada de trechos da lei do Orçamento aprovada pelos deputados em 2023.
A ação do governo gerou repercussão negativa na Assembleia. Nem os aliados próximos da governadora, que são minoria na Casa, foram a público defender o governo. Os trechos suscitados foram vetados pela governadora e depois derrubados pelos deputados por 30 votos a 10, em derrota que expôs a fragilidade da base governista na Casa.
A nova crise envolve ainda o Poder Judiciário e outras instituições. Isso porque um dos pontos questionados pelo governo no Supremo é a necessidade de partilha de sobras do Orçamento de 2023 com outros órgãos.
Na divisão do excesso de Orçamento, devem receber verbas extras das sobras a Assembleia (R$ 71 milhões), o Tribunal de Contas (R$ 51 mi), a Defensoria Pública (R$ 18,9 mi), o Ministério Público (R$ 65 mi) e o Tribunal de Justiça (R$ 177 mi). Ao todo, o Tesouro estadual terá que destinar R$ 384 milhões a mais aos Poderes, segundo o governo.
Em reação ao governo, o presidente da Assembleia, Álvaro Porto (PSDB), ligou para os presidentes dos órgãos que poderão ser impactados no Orçamento repudiando a ação do governo no Supremo. Na terça (30), a Casa publicou uma nota em que tece críticas ao Executivo estadual.
A Assembleia afirmou que a governadora deveria “encontrar soluções para os problemas que afligem o povo pernambucano nas áreas de saúde, segurança, educação e tantas outras”.
Em manifestação nesta quinta (31) ao STF, a Assembleia classificou a medida do governo como “inadmissível ataque ao Poder Legislativo” e defendeu a rejeição dos pedidos do Executivo.
A relação de Raquel Lyra com a Assembleia está desgastada desde 2023, quando a Casa aprovou dois conselheiros para o TCE a contragosto da governadora, incluindo um sobrinho de Álvaro Porto. Depois, Álvaro foi reeleito para a presidência até 2026 em eleição antecipada.
JOSÉ MATHEUS SANTOS / Folhapress