Áudios sugerem uso de caixa dois eleitoral em troca de contratos em Balneário Camboriú

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Áudios e trocas de mensagens sugerem o recebimento de caixa dois pelo ex-senador e ex-governador Leonel Pavan (PSD), incluindo ao menos R$ 1,075 milhão em Pix, em troca da promessa a empresários de loteamento de futuros contratos das Prefeituras de Camboriú e Balneário Camboriú, em Santa Catarina.

Pavan é candidato a prefeito de Camboriú e sua filha, Juliana Pavan (PSD), a prefeita de Balneário, cidade com o metro quadrado mais caro do país.

As mensagens e comprovantes de transações bancárias, aos quais a reportagem teve acesso, mostram como intermediador desses repasses o lobista Glauco Piai, ex-auxiliar de Marta Suplicy e hoje filiado ao PT de Itajaí (SC).

Piai chegou a ser detido no último dia 23 em Santa Catarina com R$ 100 mil em dinheiro vivo em dois maços dentro de seu carro.

“Já consegui, isso aqui entre nós, 500 K [R$ 500 mil] pra ele [Pavan] do ‘Turquinho’, 26 de uma empresa de tecnologia e 26 de outra empresa de tecnologia. O cara da merenda eu fiz uma conversa com ele, tá vindo pra cá também. Tem você e, agora, o cara de seguros”, diz Piai em um dos áudios, enviado em fevereiro ao intermediário de um empresário de São Paulo.

Ele acrescenta: “Eu vou ser o secretário de Governo para garantir a promessa”.

Piai foi chefe de gabinete do Serviço Funerário durante a gestão de Marta na Prefeitura de São Paulo (2001-2004). Em 2004, coordenou a campanha à reeleição da petista na Capela do Socorro, reduto da família Tatto, do PT.

Mensagens e comprovantes sugerem que os empresários interessados nas promessas de contrato nas prefeituras repassavam os valores para empresa em nome de Piai (Traccia Construtora e Incorporadora Ltda), que, depois, transferia o dinheiro a contas de Pavan, de uma empresa sua e de outras indicadas pelo ex-senador. Procurado, o candidato a prefeito não falou sobre o caso especificamente, mas disse em rede social que seria vítima de “mentira da grossa”.

A um emissário de um empresário Piai afirmou que o dinheiro chegava à conta de Pavan na forma de dividendos de uma incorporação imobiliária. O lobista cita uma “cooperativa apócrifa” para a triangulação.

Comprovantes e conversas por aplicativo de mensagem entre Pavan e Piai apontam para um acerto de repasse ao ex-senador de R$ 20 mil semanais, bem como R$ 20 mil mensais para uma agência de comunicação da campanha da filha.

“Quanto vai pra agência? E quanto na minha conta?”, pergunta Pavan em uma mensagem.

Piai afirma que seriam R$ 20 mil mensais para a agência e R$ 20 mil semanais para o senador. “Depois apague isso por favor”, acrescenta. Pavan responde indicando uma chave Pix para as transferências.

Piai transfere R$ 20 mil, envia o comprovante e um áudio em que diz que “chefe, pode deixar que segunda tem mais”. O ex-senador manda emojis de “joinha” e aplausos como resposta.

Nas prestações de contas apresentadas até agora pelas campanhas de Pavan e de sua filha não há registro de valor vinculado às pessoas objetos dos áudios e mensagens.

Nos vários áudios a que a reportagem teve acesso, Piai pede dinheiro sempre com a promessa de divisão de contratos das duas prefeituras, como a administração de creches e merenda, além da realização de obras.

“Sergião, vai chover na nossa horta aqui nessa semana? Como é que tá o molho aí?”, pergunta Piai em áudio enviado em 13 de agosto ao advogado Sergio de Carvalho Gegers, dono da Actual Tax Brasil Consultoria Tributária Ltda.

Piai renova as cobranças nos dias seguintes e, em 22 de agosto, a empresa do advogado encaminha comprovante de agendamento de repasse no dia seguinte de R$ 100 mil à empresa de Piai.

A reportagem teve acesso ainda a dois comprovantes de agendamento de repasses da Actual Tax para a empresa de Piai nos meses anteriores, no valor de R$ 150 mil cada um.

De acordo com mensagens de Piai, o repasse total seria de R$ 2 milhões, com promessa de a empresa do advogado assumir obras de grande porte e o setor de tecnologia da informação.

Piai também agendava reuniões entre Pavan e empresários, segundo conversas. Um desses encontros foi com Valdomiro Francisco Coan, conhecido como Miro e envolvido em acusações de desvio de recursos da merenda em prefeituras de São Paulo nos últimos anos.

A promessa seria a de Miro assumir a área de merenda nas duas cidades. Uma pessoa identificada como Eli Herbert Frezolone negociava em nome de Miro. Segundo as conversas, o pagamento ocorreria em dinheiro vivo, citado como “sanduíches”.

Outro empresário que manteve contatos e fez repasses a Piai —no valor de R$ 300 mil— foi Felipe Augusto Souza de Albuquerque, da Construtora Soberana Ltda, de Manaus. Segundo as conversas, ele recebeu a promessa de controle de obras pequenas nas duas cidades.

Já a área de telemedicina e parcerias público-privadas ficaria com Thiago Telles Batista, dono da Cortex Capital Ltda, a quem Piai também pediu indicações de interessados em assumir o fornecimento de uniformes e demais materiais escolares.

“Eu tô um problema com uniforme e material escolar e livro didático e paradidático, se você souber de alguém. Porque o Miro queria e depois ele tinha um empregado que virou um cara que trabalha nisso, mas aí o cara some do mapa. Então eu tô com um buraco.”

Segundo comprovantes, Thiago repassou ao menos R$ 200 mil para a Traccia.

Na segunda-feira da semana passada, a polícia de Santa Catarina apreendeu o carro, dois aparelhos de celular e o dinheiro encontrado no carro de Piai.

Após afirmar que trabalhava para um grupo de São Paulo, o petista disse aos policiais que o dinheiro era destinado ao pagamento de funcionários de sua empresa. Ele foi liberado depois de ser ouvido.

OUTRO LADO: PAVAN NÃO RESPONDE, MAS DIZ NAS REDES QUE SERIA ALVO ‘DE MENTIRA DA GROSSA’

A reportagem procurou diretamente e por meio das assessorias todas as pessoas citadas na reportagem. O ex-senador Leonel Pavan não respondeu aos contatos, e sua assessoria não respondeu mais após ser informada do teor das perguntas.

Após essas tentativas de contato, Pavan publicou um vídeo em suas redes acusando adversários de prepararem uma “mentira, e da grossa”, contra ele sua filha.

“Os ataques não param. Tomei conhecimento que estão preparando mais uma mentira e da grossa, como sempre fizeram nas minhas campanhas”, afirmou.

“A eleição tem que ser limpa, com propostas e não com mentiras. (…) Eles batem em mim para tentar atingir a minha honra e, com isso, querem prejudicar a candidatura da minha filha”, prosseguiu.

Juliana também não respondeu aos contatos feitos diretamente e por meio de sua assessoria.

Procurado, Glauco Piai respondeu por SMS afirmando que as informações são fruto de um roubo de celular e que não deveriam ser analisadas.

Um dos empresários que aparecem nessas mensagens enviou à reportagem um vídeo de um bar em que Piai aparece supostamente tendo o celular furtado por um homem não identificado.

Eli Herbert Frezolone, que aparece nos diálogos negociando em nome do empresário Valdomiro Francisco Coan, afirmou que Piai é seu amigo e que ele chegou a lhe pedir recursos no início do ano para as campanhas, mas que não fez os repasses.

“Eu mesmo não doei em nada, sou um representante comercial. Se você puxar a minha situação, você vê que eu sou uma pessoa bem simples mesmo.”

Frezolone disse acreditar que Valdomiro não fez transferências e afirmou que, no encontro com Piai, em que seriam entregues “sanduíches” também não houve repasse de dinheiro. Ele confirmou que o pedido de recursos era condicionado a projetos futuros nas prefeituras, mas disse que não houve repasses justamente pelo fato de que esses contratos teriam que passar por licitação.

“Ele [Piai] realmente pediu pra ver se alguém queria contribuir na campanha, pra fazer um trabalho e tal, mas ninguém quer, né? Ele queria fazer uma parceria pra depois fazer um estudo pra mudar a situação da educação, pra economizar, mudar o formato e melhorar o atendimento aos alunos”, disse.

O advogado Sergio de Carvalho Gegers negou, em um primeiro contato, que tenha tratado de repasses em troca da promessa de contratos futuros, mas, ao final, encaminhou nota via assessoria jurídica não se manifestando sobre o mérito dos questionamentos.

Na nota, afirma que as “supostas conversas” têm origem em “celular produto de crime, ou seja, o celular do senhor Glauco Piai”, e que ele, enquanto advogado, não tem contrato com órgãos públicos.

“Afirmo que não autorizo qualquer divulgação, informação, nota ou ilação, ainda mais advindo de extração de supostas conversas objeto de produto de roubo (celular), as quais desconhecemos e refutamos o conteúdo”, prossegue, mencionando a possibilidade de mover ação cível e criminal.

Ele diz ainda que Glauco é seu cliente “e se reserva ao direito do sigilo das conversas”.

Os empresários Thiago Telles e Felipe Albuquerque não se manifestaram.

CATIA SEABRA E RANIER BRAGON / Folhapress

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