BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A avaliação de políticas públicas implantada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento não vai ficar restrita a traçar metas de longo prazo, diz Sergio Firpo, secretário de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas e Assuntos Econômicos da pasta
Vai também reavaliar gastos orçamentários, na busca do déficit zero proposto para 2024 pelo Ministério da Fazenda.
“O compromisso desse governo é o déficit zero. O Planejamento e a avaliação vão entrar ativamente no processo de garantir essa meta. A gente quer garantir racionalidade para esse processo. Queremos trazer mérito para a discussão do Orçamento, olhando para a efetividade da política e os aspectos distributivos”, diz Firpo.
“A gente quer melhorar a qualidade do gasto, e a ministra [Simone Tebet] já disse que vamos usar a avaliação para aperfeiçoar a política pública. Eventualmente, a avaliação pode ser usada para corte de gastos, desde que haja esse comando e acho que existe esse comando”, afirma Firpo.
Para os próximos anos, o secretário diz que será adotada uma nova ferramenta para avaliação do gasto dentro das políticas públicas de cada ministério.
Segundo ele, ela vai permitir avaliar, “a partir de decisões de governo, se será preciso revisar e como revisar o Orçamento, ou seja, definir qual será o peso orçamentário para cada política”.
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Pergunta – Depois do seminário sobre avaliação de políticas públicas, o governo demonstrou que implementou um novo processo, mas não está muito claro ainda o que isso efetivamente muda na prática, especialmente nas contas públicas. Poderia explicar o que vem a seguir?
Sergio Firpo – Há coisas diferentes para se considerar. As avaliações são úteis para quem toca as políticas aperfeiçoá-las. Isso vai permitir o redesenho da política no sentido mais amplo, algo que não ocorria.
O CMAP [Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas], por exemplo, foi criado em 2019, mas já existiam versões dele em 2015. É algo que veio por Dilma, Temer, Bolsonaro, até Lula. No entanto, o uso das avaliações foi sempre mais fiscalista.
A outra coisa é como isso entra no processo de revisão dos gastos. Em vez de fazer um corte linear do gasto quando necessário, pode fazer um corte a partir da qualidade de cada política. Antes, o gestor não necessariamente aprendia algo sobre aquela política pública.
Nesse aspecto, a gente tem avaliações de subsídios e de gastos diretos. Nas de subsídios, a gente já apresentou a questão em boletins. Teve o boletim sobre cesta básica e o de medicamentos. Publicamos pensando em embasar discussões na Reforma Tributária. Temos outros estudos que serão lançados no tempo certo.
A Reforma Tributária foi fatiada, então, na hora que chegar a discussão do Imposto de Renda, vamos ter alguns estudos sobre ele, assim como também teremos um sobre folha de pagamento. A ministra quer que o Planejamento se posicione sobre agenda verde, então vai vir algo sobre clima e meio ambiente para soltar neste segundo semestre.
P. – No que se refere a revisão de gastos, o governo acabou de enviar o projeto orçamentário do ano que vem. Vocês chegaram a contribuir?
S. F. – Para este projeto, a gente não deu uma contribuição clara. Mas a gente quer garantir que as próximas peças orçamentárias se beneficiem do processo de revisão de gasto que envolve a avaliação.
P. – Como isso vai funcionar?
S. F. – A gente está construindo dentro da SMA, junto com a SOF [Secretaria de Orçamento Federal], uma ferramenta para avaliar e aperfeiçoar as políticas nos ministérios.
A partir de uma decisão do governo, ela vai permitir uma orientação sobre o que revisar, onde revisar e como revisar as políticas de cada ministério. Ou seja, definir qual será o peso orçamentário para cada política. A princípio, isso funciona mesmo sem corte de gasto. Eu tiro de uma política para colocar em outra que seja meritória dentro de critérios claros e objetivos.
P. – Vai na linha do que diz a ministra Simone Tebet: que talvez não seja necessário cortar, mas, sim, realocar o gasto?
S. F. – A gente quer melhorar a qualidade do gasto, e a ministra já disse que vamos usar a avaliação para aperfeiçoar a política pública. Isso é uma coisa. Eventualmente, a avaliação pode ser usada para corte de gastos, desde haja esse comando e acho que existe esse comando. Tem uma meta de primário zero, ou seja, a gente tem que bater despesas com receitas.
P. – O que o sr. está dizendo é que vai ter uma atuação mais ativa para cumprir a meta de déficit zero para 2024?
S. F. – O compromisso desse governo é o déficit zero. O Planejamento e a avaliação vão entrar ativamente no processo de garantir essa meta. A gente quer garantir racionalidade para esse processo. Queremos trazer mérito para a discussão do Orçamento, olhando para a efetividade da política e os aspectos distributivos.
É preciso lembrar que tanto o ministro Fernando Haddad quanto a ministra Simone Tebet têm os discursos das esteiras. A esteira das receitas e a das despesas. O Planejamento pode contribuir para que a esteira das despesas rode de uma maneira que ajude no déficit zero.
A avaliação das políticas também permite que você saiba onde vai achar espaço fiscal, se precisar.
P. – A avaliação da política, então, a depender do resultado, permite a redução do gasto ou até a sua extinção?
S. F. – Ou isso, ou o aprimoramento dessa política, o que permite ganhos de eficiência.
Às vezes, por falta de focalização, o Estado usa mais recurso do que o necessário para atender uma determinada população. Se mudar a forma de inserir no cadastro os potenciais beneficiários, por exemplo, pode haver algum ganho. Diversas políticas podem se beneficiar desse tipo de abordagem.
Pode ocorrer o contrário também. O Estado quer atender um grupo, mas não está sendo eficiente para chegar a todos. Nesse caso pode ter de gastar até mais.
No entanto, tudo isso precisa vir de uma avaliação prévia, a partir de conversas com os gestores de cada política, em cada ministério.
P. – Quando vocês começam?
S. F. – Já para o próximo ciclo do Orçamento de 2024. Tem um decreto do presidente que criou um grupo de trabalho interministerial, comandando pelo próprio Ministério da Previdência, para analisar os gastos previdenciários. A gente não sabe o que vai vir disso, mas vamos pôr a mão na massa. Essa análise, junto com os gestores, talvez nos dê oportunidades já para este ano.
Para os anos seguintes, a partir de 2025, vamos ter aquela ferramenta que mencionei. Queremos que esteja pronta já no final deste ano.
P. – Será um software?
S. F. – Basicamente, será um processo com parâmetros de avaliação, quase um fluxograma. Vai incluir medidas como avaliar por pesquisas, conversar com gestores nos ministérios, conferir resultados com grupos de especialistas e, eventualmente, propor aprimoramentos. Estou fazendo uma síntese bem enxuta, OK?
P. – No mundo da política pública se diz que existe o que deve ser feito e o que é politicamente possível. Essa ferramenta vai resolver isso?
S. F. – A discussão política sempre vai existir, mas a gente precisa ter um processo anterior, mais adequado, antes que uma proposta chegue ao escrutínio político.
Por exemplo. Quer rever os gastos? OK. Mas a ferramenta está dizendo que neste ministério é melhor que não. Nesse outro, pode mexer.
P. – O governo tem apresentado novas propostas, que impactam o gasto. Um exemplo, a ampliação do teto do MEI [Microempreendedor Individual]. A secretaria foi chamada para avaliar?
S. F. – Não passou pela gente.
P. – Esse tipo de decisão teria de passar por aqui?
S. F. – A gente gostaria muito, mas sabemos que nem todas as decisões vão. As do Congresso são um exemplo. Os parlamentares acabaram de prorrogar a desoneração da folha. Existem estudos que dizem que é uma política efetiva, outros dizem que não contribuem para a geração do emprego. Não avaliamos. Foi uma decisão soberana do Congresso.
RAIO-X
Sergio Firpo, 53
Doutor em economia pela Universidade da Califórnia, em Berkeley (EUA). Foi professor assistente de economia na Universidade da Colúmbia Britânica (20032006) e na PUC-Rio (20042008) e professor associado da Escola de Economia de São Paulo – FGV (20082015) antes de ingressar no Insper em 2016. Suas principais áreas de estudo são microeconometria, avaliação de políticas, economia do trabalho, do desenvolvimento e da política empírica.
ALEXA SALOMÃO / Folhapress