SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O avistamento de tubarões disparou no arquipélago de Alcatrazes, unidade de conservação marinha a cerca de 35 km da costa no litoral norte de São Paulo, entre São Sebastião e Ilhabela.
O crescimento é relatado em um estudo publicado no início do ano por pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (IMar/Unifesp), de acordo com relatos feitos a eles por mergulhadores que frequentem a área de preservação, e referendado por especialistas e ouvidos pela reportagem.
A maior visualização reforça a hipótese do aumento recente na presença de tubarões após a expansão e fortalecimento da área de proteção integral, conforme a pesquisa.
O Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago de Alcatrazes é uma unidade de conservação federal administrada pelo ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade).
Com pouco mais de 67 mil hectares, é a maior unidade de conservação marinha de proteção integral das regiões Sul e Sudeste e a segunda maior do Brasil. Já foram catalogadas mais de 1.300 mil espécies de flora e fauna na região, e ao menos 259 espécies de peixes estão protegidas.
Thais Rodrigues, chefe do ICMBio Alcatrazes, afirma que todos os dias são vistos tubarões no arquipélago. Entre as espécies mais comuns estão o tubarão-martelo e o galha-preta. São peixes que, adultos, podem passar de 4 metros de tamanho.
“Em Alcatrazes, que é uma área de reprodução, em geral esses peixes atualmente são menores. Eles ainda estão na fase juvenil”, afirma Rodrigues, que rotula o local como “berçário”.
Até a década de 1990, o arquipélago era alvo de exercícios de tiro realizados pela Marinha. Os projéteis destruíam os ninhos e afastavam as aves do lugar.
Após pressão de ambientalistas, que durou décadas, o lugar se transformou em agosto de 2016, por meio de decreto federal, em Refúgio de Vida Silvestre.
Conforme a chefe do ICMBio, as estratégias de monitoramento dos últimos anos e a fiscalização de pesca ilegal por ali equilibraram a vida marinha que atrai tubarões predadores àquela região distante das badaladas praias do litoral norte e de banhistas.
Para ela, o aparecimento de cardumes de espécies de tubarões indica eficiência na proteção dos ambientes marinhos de Alcatrazes, uma vez que estes animais estão no topo da cadeia alimentar.
A presença de tubarões na região do arquipélago também ocorre pelas características geográficas do lugar. Localizadas na confluência de duas correntes oceânicas, as águas na região são ricas em nutrientes.
O estudo da Unifesp, realizado entre 2022 e 2023, que, entre outras técnicas, usou equipamentos de filmagens remotas subaquáticas com isca nas gravações, registrou a presença de sete espécies de tubarões, sendo que seis delas são classificadas como ameaçadas de extinção.
Espécies de tubarões registradas durante estudo em Alcatrazes
– Squalus cf. albicaudus cação-bagre-da-cauda-branca
– Carcharias taurus tubarão-mangona
– Carcharhinus plumbeus tubarão-galhudo
– Carcharhinus falciformis tubarão-seda
– Rhizoprionodon porosus cação-frango
– Sphyrna lewini tubarão-martelo-recortado
– Sphyrna zygaena tubarão-martelo-liso
A sustentabilidade desse crescimento populacional só deverá ser confirmada daqui uma década por causa dos padrões biológicos que levam um tubarão à fase adulta, explica o biólogo Otto Bismarck Gagig, professor da Unesp (Universidade Estadual Paulista) e um dos maiores especialistas em tubarões do país, integrante do estudo em Alcatrazes.
“Pensando na realidade científica natural, espero que que a população esteja se restabelecendo, mas vai ser devagar, pois ela cresce muito lentamente em função de seus parâmetros biológicos”, diz.
Mesmo sem números oficiais, esse aumento na visualização, percebido há cerca de dois anos, aos poucos começa a movimentar o turismo de mergulho em São Sebastião e Ilhabela.
“Houve sim um aumento no número de avistamento de tubarões, o que é um excelente indicativo ambiental”, afirma a Prefeitura de São Sebastião.
Duas operadoras de Ilhabela disseram à reportagem que já há interesse de mergulhos em Alcatrazes por causa da chance de nadar próximo de tubarões apenas empresas credenciadas podem fazer expedições no arquipélago, com rígidas regras de fiscalização.
“A procura aumentou, principalmente depois das filmagens do cardume gigante de tubarões-martelo no refúgio, que virou a Galápagos brasileira”, afirma Guilherme Kasper, da Ilha Divers, em referência às ilhas do Equador consideradas paraíso do mergulho.
O comerciante Adriano Pelegrino, 56, o Adriano Perna, foi um dos mergulhadores que em março passado registrou o cardume com cerca de 40 tubarões em Alcatrazes.
“A água estava limpa e eles ficaram nos orbitando, curiosos com a gente”, diz o morador de Ilhabela, que fez parte de um grupo de 15 pessoas que caiu no mar quando um deles viu uma barbatana próxima ao barco.
No momento, segundo a prefeitura, Ilhabela não está estruturada para este tipo de turismo, que, segundo ela, requer qualificação específica dos prestadores de serviços, para que a atividade ocorra de maneira segura e sustentável.
TUBARÃO-AZUL NA PRAIA
O recente vídeo de um tubarão-azul nadando na praia do Perequê, uma das mais centrais de Ilhabela, viralizou nas redes sociais.
Ainda não se sabe o que levou o peixe oceânico que chegou debilitado à beira da praia e, apesar de ser resgatado, não resistiu.
Não há relação entre o tubarão azul filmado no último dia 31 de maio e os que nadam na área de preservação a quilômetros dali, dizem os especialistas ouvidos pela reportagem e a própria prefeitura.
“Não é possível afirmar que a presença de animais naquela região [Alcatrazes] significa a possibilidade de expandirem seu território até a costeira”, diz, em nota, a administração municipal.
O biólogo Hudson Tercio Pinheiro, do Centro de Biologia Marinha da USP (Universidade de São Paulo), explica que não é comum um tubarão como esse chegar à costa, mas há relatos de espécies oceânicas cruzando o canal de São Sebastião, que tem atraído cada vez mais turistas para outros tipos de avistamentos, o de baleias jubarte e golfinhos em 2023 foram 787 visualizações de baleias em Ilhabela, segundo a prefeitura.
“É um tipo de interação que talvez a gente possa presenciar mais constantemente”, afirma o pesquisador da USP.
FÁBIO PESCARINI / Folhapress